terça-feira, 31 de maio de 2011

Microempresa e empresa de pequeno porte - Desenquadramento - Participação de licitação - Inidoneidade

O Tribunal de Contas da União, no Acórdão 1028/2010 - Plenário (que foi sucedido por diversos outros no mesmo sentido), entendeu que empresa que ultrapassa o limite legal para enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte e participa de licitação beneficiando-se do tratamento diferenciado garantido pela LC 123/06 comete fraude ao certame e deve ser sancionada com declaração de inidoneidade. O requerimento para o desenquadramento deve ser realizado pelo empresário perante a Junta Comercial, após constatar a superação do limite legal, não cabendo falar em comunicação do desenquadramento pela própria Junta Comercial ou pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. O TCU ainda frisa que, "cessadas as condições que permitiam o enquadramento como ME ou EPP, a empresa deverá fazer a 'Declaração de Desenquadramento'."

Mas, a questão é mais complexa do que parece, especialmente sob o ponto de vista do empresário. É fundamental compreender que desenquadramento da condição de microempresa (ME) e empresa de pequeno porte (EPP) é diferente de desenquadramento do SIMPLES. A começar pelo fato de que o primeiro ocorre perante a Junta Comercial, mediante declaração do próprio empresário similar à declaração de enquadramento, enquanto que o segundo ocorre perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, mediante requerimento de desenquadramento.

A dificuldade continua na medida em que, verificando as regras da LC 123, observa-se ser a mesma silente sobre o desenquadramento da condição de ME e EPP. Trata do desenquadramento do SIMPLES, estabelecendo prazo até o primeiro dia útil do mês seguinte ao da ocorrência do fato que gerou o desenquadramento. A Instrução Normativa 103 do DNRC, esta sim, regulando o enquadramento, reenquadramento e desenquadramento, estabelece apenas que cabe ao empresário requerê-lo. Nesse contexto, sobressaem algumas dúvidas cruciais: a partir de quando o desenquadramento deve ser solicitado? A partir do fato que ensejou o desenquadramento ou a partir do término do ano-calendário?

Segundo as definições contidas na LC 123, é a receita bruta auferida em cada ano-calendário que possibilitará ou não essa categorização. Assim, o momento oportuno e legalmente determinado para verificar uma possível superação dos limites e, se for o caso, requerer o desenquadramento, é "após o término do ano-calendário". Pressupõe-se, logicamente, que isso deva acontecer o quanto antes... Mas ainda assim, a norma permanece aberta, o que, para o setor privado, significa percorrer as incertezas do desejado bom senso.

É correto aguardar o balanço para requerer o desenquadramento? Ou o fechamento das contas anuais não é uma condicionante? Se o balanço for finalizado em fevereiro, é possível participar de licitações em janeiro, na condição de ME ou EPP e usufruindo dos benefícios legais?

Parece lógico que o balanço, “demonstração contábil destinada a evidenciar, quantitativa e qualitativamente, numa determinada data, a posição patrimonial e financeira da Entidade” e que é obrigatoriamente elaborado ao final do ano-calendário mesmo para aquelas que adotem a escrituração simplificada, seja um elemento fundamental para a conclusão certeira acerca da necessidade de requerer o desenquadramento. Contudo, existem situações em que a mudança de condição da empresa é tamanha que a movimentação financeira e bancária é suficiente para denunciar ao empresário a modificação da condição. Ainda nesse caso, não creio que seja correto exigir que a empresa requeira, antes do término do ano-calendário e do fechamento do balanço, seu desenquadramento. Contudo, a participação em licitações usufruindo da condição de ME ou EPP garantidas pela LC 123 pode, a depender do caso, ser vista como fraude e má fé e ensejar aplicação da pena de inidoneidade.
Assim, na linha do que ocorreu na situação analisada pelo TCU no julgado inicialmente referido, há que se apurar concretamente se a empresa agiu de má fé, valendo-se do título de ME e EPP para obter vantagem ilícita.

Microempresa e empresa de pequeno porte - Fase de lances - Desistência

Tenho sido indagada sobre a legalidade do procedimento que confere a uma empresa de médio e grande porte a possibilidade de realizar novo lance, após a desistência da microempresa ou empresa de pequeno porte em ofertar o seu. Isso porque, nesses termos, seria possível a "fuga" ao limite imposto pela LC 123 de 5% de diferença entre a proposta da empresa de médio ou grande porte melhor classificada e a proposta da microempresa ou empresa de pequeno porte, o qual permitiria a aplicação do empate ficto e a oferta de um novo lance, possivelmente vencedor, por esta última.

O Decreto 3.555/00, que traz o regulamento do pregão presencial para a União, estabelece que "a desistência em apresentar lance verbal, quando convocado pelo pregoeiro, implicará a exclusão do licitante da etapa de lances verbais e na manutenção do último preço apresentado pelo licitante, para efeito de ordenação das propostas" (art. 11, inc. X). Assim, os lances verbais serão apresentados de forma sucessiva e sequencial, sendo que a desistência em apresentar lances exclui o licitante da etapa de lances, não do pregão, mantendo-se, para todos os fins, o último lance dado. O tema não encontra controvérsias na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais de Contas.

Desse modo, parece cristalino que, iniciada a fase de lances, o direito de formular lances não está sujeito a limitações  decorrentes das ações de outros licitantes, em especial a desistência de participar da fase verbal.

Tal conclusão conduz à resposta da proposição inicialmente formulada: não há ilegalidade no ato do pregoeiro que possibilita a uma empresa de médio ou grande porte formular novo lance, mesmo após a desistência da microempresa ou empresa de pequeno porte em ofertar o seu. A alegação de que a empresa de médio ou grande porte poderá se distanciar do percentual que produziria o empate ficto, resultando em manipulação do resultado, não procede. Em verdade, manipulação haveria por parte da microempresa ou empresa de pequeno porte ao desistir de oferecer lance mesmo em condições de reduzir o seu preço, o que ocorreria com a aplicação do benefício conferido pela LC 123.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Exigência de índices econômico financeiros em edital

Uma das irregularidades mais graves encontradas em editais diz respeito à exigência de índices econômico financeiros.

De acordo com a Lei 8.666, "a comprovação de boa situação financeira da empresa será feita de forma objetiva, através do cálculo de índices contábeis previstos no edital e devidamente justificados no processo administrativo da licitação que tenha dado início ao certame licitatório, vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação" (art. 32, §5º). Dessa norma extrai-se que:
a) a comprovação da situação econômico-financeira ocorrerá através do cálculo de índices contábeis;
b) os índices contábeis devem:
b.1) estar previstos no edital;
b.2) ter sido devidamente justificados no processo administrativo que originou a licitação;
c) é vedado exigir índices e valores não usualmente adotados para a correta avaliação financeira;
d) a avaliação financeira deve ser aquela suficiente para o cumprimento das obrigações decorrentes da licitação.

Na Decisão 1070/2001 - Plenário, o TCU determinou que "a exigência em processos licitatórios de índices econômico-financeiros mínimos seja fundamentada em estudo contábil que indique que foram fixados em níveis apenas o bastante para atestar que a licitante possui condições suficientes para solver suas obrigações." Mas, é inusual encontrar um processo licitatório que contenha tais justificativas. Muitas vezes a justificativa existe, mas não é suficiente para demonstrar a legalidade da restrição imposta aos licitantes. E o pior, verificam-se editais com objetos similares, especialmente relativos a obras e serviços de engenharia, exigindo índices diversos, ora mais, ora menos restritivos. Bem examinados, tais editais conduzem à conclusão de que os índices adotados são excessivos e desproporcionais à necessidade gerada pela execução do objeto.

A “devida” justificativa a que se refere a Lei 8.666/93 é a motivação para a escolha discricionária dos índices e valores mediante os quais a Administração realizará a avaliação das condições econômico-financeiras dos licitantes. Deve explicitar satisfatoriamente, através de razões técnicas indicadas por quem detém competência e capacidade para tanto, ou seja, profissional das áreas da contabilidade e economia ou afins, o porquê da utilização de tais ou quais valores. Trata-se de uma condição restritiva da competição, o que por si só já demanda sólida motivação, a teor do que estabelece o art. 3º da Lei.

A propósito, o TCU, no Acórdão nº 247/2003-Plenário, em processo relatado pelo Min. Marcos Vilaça, entendeu que "um índice de LG menor do que 1 demonstra que a empresa não tem recursos suficientes para pagar as suas dívidas, devendo gerá-los. Já um índice de LC menor do que 1 exprime que a empresa não possui folga financeira a curto prazo. Se os dois índices forem maiores do que 1, a empresa estará financeiramente saudável. (...) Nesse sentido, qualquer empresa de pequeno ou grande porte poderia participar da concorrência, independentemente de capital ou de patrimônio líquido mínimo, desde que tivesse os seus índices contábeis nos valores normalmente adotados para comprovar uma boa situação financeira.”

O mais grave parece ser, contudo, não a ausência de justificativa ou inadequação daquela porventura existente nos autos do processo administrativo. Reconhece-se que a Lei de Licitações é prolixa e pode ser mal interpretada, conduzindo a equívocos por parte de seus operadores. Reconhece-se, também, que práticas não apontadas expressamente pelos órgãos de controle como irregulares acabam sendo institucionalizadas e passam despercebidas pelos muitos agentes públicos que se sucedem na realização dos processos de contratação.

O mais grave parece ser, sim, o desrespeito à norma legal para o exato fim de obter contratações dirigidas, para excluir da disputa empresas idôneas e capazes e beneficiar, na outra ponta, "parceiras" contumazes. E os interessados  na licitação, inconformados, precisam valer-se de seu direito de ação perante o Poder Judiciário para buscar a observância do Princípio da Isonomia, pois simplesmente não conseguem obter uma resposta satisfatória no plano administrativo.

Essa situação, vivenciada com tristeza pelos profissionais que atuam em licitações púbicas, é apenas um exemplo dos desvios que maculam a Administração Pública brasileira e tornam cada vez mais difícil o avanço da reforma legislativa para uma norma mais concisa, clara, objetiva e pautada em princípios, com a necessária flexibilidade para operar o interesse público.


 

Pedido de desculpas

Amigos, preciso pedir desculpas em decorrência das últimas três semanas, nas quais postei muito pouca coisa. Eventualmente, isso ocorrerá em razão de acúmulo de trabalho e falta de tempo, já que (infelizmente) minha atividade principal não é a de blogueira. Nesses últimos dias, estive em Manaus, BH e Vitória e por pouco não levo uma bronca de marido e filho. Prometo que vou me redimir nessas semanas que virão.

Abraços!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Modelo de concessão de aeroportos sofre críticas

Como a concessionária vai explorar apenas as receitas comerciais (como as lojas) e a operação ficará com a Infraero, os problemas de gestão pelos quais a estatal é conhecida não devem ser resolvidos.
São Paulo - O modelo que o governo quer adotar para a concessão dos aeroportos trará poucos avanços no enfrentamento dos problemas dos principais terminais do País. Como a concessionária vai explorar apenas as receitas comerciais (como as lojas) e a operação ficará com a Infraero, os problemas de gestão pelos quais a estatal é conhecida não devem ser resolvidos.

"A Infraero continuará arrecadando as tarifas aeroportuárias e terá a obrigação de fornecer diversos serviços aos passageiros e às companhias. Se hoje se questiona o papel da estatal nesse processo, como é que essa gestão vai continuar com ela? O que se está questionando não é só a agilidade para executar as obras, mas também a operação", afirma o consultor de gestão de aeroportos José Wilson Massa.

Se a estatal não for eficiente nos procedimentos de pista, por exemplo, os reflexos serão visíveis nos terminais, com a formação de longas filas, por exemplo. A atuação conjunta de duas empresas (a Infraero e a concessionária) num mesmo espaço também traz o temor de que não fique claro quais as responsabilidades de cada uma. Se tiverem problemas ao embarcar, a quem os passageiros recorreriam?

Foco equivocado
Para o professor da UnB e ex-presidente da Infraero, Adyr da Silva, ao deixar pistas e pátios de fora da concessão, o governo demonstra que tem uma visão míope da questão aeroportuária. Ao deixar as obras dessas instalações com a Infraero, corre-se o risco de ver repetirem-se os atrasos dos últimos anos. "Esse é o calcanhar de Aquiles. Está se discutindo apenas terminal de passageiros e nosso problema não é esse. Nosso problema, entre outros, é pista de pouso, controle de tráfego aéreo, pátio de estacionamento de aeronaves, software e tecnologias. A questão é mais complexa e ampla", diz Silva.

Ele afirma, porém, que é possível remover alguns entraves. Segundo o ex-presidente da Infraero, um entendimento com o Tribunal de Contas da União (TCU) também tornaria a concessão e as obras mais rápidas. Na avaliação dele, o tribunal extrapola as suas funções de fiscalização ao envolver-se na elaboração de contratos, por exemplo.

"O TCU, que deveria fiscalizar se você gastou bem o dinheiro, está sendo usado como órgão executivo. Por isso, assistimos a uma novela em Campinas, Vitória e Confins", disse Silva, acrescentando que, se governo e tribunal entrarem em consenso, seria possível economizar um ano na execução de projetos. Sabendo do problema, o governo já prevê um alinhamento com o TCU e outros órgãos, de acordo com a apresentação feita à presidente

Mesmo fazendo uma força-tarefa, o governo não tira a corda do pescoço. Depois de concluído o leilão, as empresas levariam pelo menos quatro meses para colocar a mão na massa, período necessário para a elaboração do projeto executivo das obras.

"Não dá para pensar que a empresa vai começar a obra um dia depois de ganhar a licitação. No dia seguinte, ela começa a pensar em como ela fará a obrar", afirma Richard Dubois, da consultoria PwC. Segundo ele, o custo do projeto detalhado de um terminal como o de Guarulhos é de cerca de R$ 20 milhões.

Com o projeto detalhado em mãos, a empresa ainda esbarrará nos prazos dos fornecedores, explica Dubois. "Um fornecedor de finger (instalação que conduz ao avião) disse que entre o pedido e a entrega leva-se um ano. Depois, são mais uns seis meses de ajuste fino." Ele lembra que o governo precisa estar com tudo pronto no início de 2014 para, em caso de erros na execução do projeto, ser possível corrigi-los.

Fonte: http://www.d24am.com/noticias/brasil/especialistas-criticam-modelo-de-concessao-dos-aeroportos-brasileiros/23221

domingo, 22 de maio de 2011

Ministro nega seguimento a mandado de segurança impetrado pelo líder do DEM

Sexta-feira, 20 de maio de 2011

Ministro nega seguimento a mandado de segurança impetrado pelo líder do DEM

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento ao Mandado de Segurança (MS 30614) impetrado pelo deputado federal Antonio Carlos Magalhães Neto, líder do Partido Democratas (DEM), contra ato do presidente da Câmara dos Deputados, que deu início ao processo de discussão e votação da Medida Provisória (MP) 521.

O deputado alegou violação a seu direito líquido e certo de participar de um processo legislativo livre de vícios e afirmou que, no projeto de lei de conversão de MP, ocorreu a “imprópria inserção”de dispositivos completamente alheios ao objeto inicial da matéria, "violando assim a necessária pertinência temática que se exige das emendas parlamentares em projetos iniciados pelo Executivo".

À MP – que inicialmente tratava de questões funcionais de médicos residentes e de funcionários requisitados para a Advocacia-Geral da União (AGU) –, foram adicionados dispositivos para criar o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que poderá ser aplicado nas licitações para as obras de infraestrutura da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

De acordo com o ministro relator, o deputado ACM Neto “não logrou êxito em demonstrar de que forma o ato impugnado nesta via mandamental violou seu direito líquido e certo público subjetivo previsto na Constituição da República”, sobretudo pela ausência de indicação da controvérsia jurídica em torno de preceito constitucional concernente ao devido processo legislativo e o suposto coator (presidente da Câmara dos Deputados).

"Ademais, ressalte-se que, em face dos estreitos contornos que caracterizam este remédio constitucional, é imperativo que se demonstre, de maneira incontroversa, a certeza e liquidez do direito pleiteado, sob pena de incognoscibilidade do writ. Isto posto, nego seguimento a este mandado de segurança. Prejudicado, pois, o pedido de liminar”, concluiu o ministro Ricardo Lewandowski.

Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=180144&tip=UN

DEM contesta no STF medida provisória que cria regime especial de contratação para obras da Copa

O DEM entrou em 17 de maio com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir a discussão da Medida Provisória (MP) 521 na Câmara dos Deputados. A MP trata sobre o regime diferenciado de contratações que poderá ser aplicado nas licitações para as obras da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

Para o líder do DEM na Câmara, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, houve “uma drástica descaracterização” do projeto inicial, que tratava sobre questões funcionais de médicos residentes e de funcionários requisitados para a Advocacia-Geral da União (AGU).

Segundo o parlamentar, o projeto passou a agregar “matérias que lhe são completamente estranhas”. Isso, acrescentou, viola o direito de um deputado federal de participar de um processo legislativo livre de vícios de inconstitucionalidade.

O líder partidário pede liminar para que o processo legislativo da MP 521 seja imediatamente suspenso até o julgamento final deste mandado de segurança. Ele também quer que seja determinado ao presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), que não admita qualquer emenda parlamentar
versando sobre matéria estranha à temática principal da MP.

Os advogados de ACM Neto pedem ainda a nulidade do processo legislativo da MP 521. A relatora do mandado de segurança é a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.

Por Débora Zampier- Agência Brasil


segunda-feira, 16 de maio de 2011

MP 521 - Uma trapaça política, mas com boas idéias (Veja, 6 de maio)

Planalto, em nome da urgência para obras do Mundial de 2014, atropela Congresso e usa MP sem relação com licitações para mudar legislação

Por Carolina Freitas

Em outubro de 2007, o Brasil vibrou ao ser escolhido sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Passaram-se quatro anos e nada há a comemorar. Infraestrutura de transportes precária, atraso em obras, estádios que só existem no papel (ou nem no papel). Passada mais da metade do prazo para preparação do país para o campeonato, o mesmo governo federal que tolerou a inércia propõe flexibilizar as regras para licitar obras públicas. Quer acelerar o procedimento – e, por consequência, as obras e compras.

Em estilo pouco ortodoxo, mas que se tornou usual no governo do PT, a Presidência fez o projeto chegar ao Legislativo enxertado em uma medida provisória sobre o trabalho de médicos residentes. Mistura alhos com bugalhos. Tudo para votar a proposta em poucos dias. Turbinada por um pedido de urgência, ela deve ir ao Plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira.

Para além da condenável esperteza política, o documento traz elementos que, levados a um debate sério, representam uma evolução na forma como o governo compra e contrata. Traz também trechos que, para o bem da transparência e da moralidade, precisam ser vetados. Seja como for, especialistas ouvidos pelo site de VEJA são unânimes: o procedimento adotado para as licitações desses grandes eventos servirá de modelo para uma reforma na Lei de Licitações (8.666), de 1993. Melhor saber, portanto, do que se trata.

“É uma lei de licitações paralela, criada por medida provisória”, define o advogado Jonas Lima, especialista em licitações públicas. Marcio Pestana, professor de direito administrativo e público da Fundação Armando Álvares Penteado, identifica na proposta conceitos modernos, como a informatização e o encurtamento de prazos. “Ela tende a transcender o limite dos eventos esportivos, sendo usada como um aprimoramento da Lei de Licitações.”

A proposta do governo, apresentada por meio do parecer da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), é criar o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, válido para obras e compras públicas da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 (veja o projeto em detalhes no quadro abaixo).

Lupa na proposta - O primeiro ponto de honra é a criação da modalidade de contratação integrada, em que a empresa vencedora da licitação é responsável também por fazer o projeto básico da obra, algo atualmente a cargo do governo. O projeto básico consiste no detalhamento das características da construção, com estudos de viabilidade técnica e de impacto ambiental. Um custo e um esforço que o governo delega agora aos licitantes.

Para Jonas Lima, apesar de facilitar a vida do governo, a contratação integrada desestimula empresas a participarem da disputa, já que os candidatos terão de gastar com estudos e consultorias extras. “Com a participação na licitação mais onerosa, haverá menos licitantes e menos competitividade”, diz o advogado. “Além disso, não se licitam coisas desiguais. Cada concorrente apresentará um projeto de estádio ou de aeroporto. Os critérios de escolha serão subjetivos – o que cria uma bomba relógio de questionamentos judiciais.”

O segundo ponto de honra, visto como positivo pelos especialistas, é a criação de novos critérios de julgamento, além do menor preço. Pela proposta de lei, o vencedor pode ser também aquele que oferecer o maior desconto, a melhor combinação de técnica e preço, o maior lance ou o maior retorno econômico para os cofres públicos. A inovação, diz o professor de direito administrativo da Fundação Getúlio Vargas Carlos Ari Sundfeld, dá poder ao governo de fazer uma seleção mais subjetiva e, por isso, mais flexível.

“O preocupante é que a flexibilidade seja dada sem a criação de um sistema de fiscalização específico para essas contratações”, diz Sundfeld. Para o advogado, teria de ser criada, obrigatoriamente, uma comissão de fiscalização externa, que acompanhasse cada etapa do processo de licitação pelo regime diferenciado. A proposta sequer fala de fiscalização. “Pensou-se na celeridade, mas não se pensou no risco”, afirma Sundfeld.

Com os órgãos de fiscalização excluídos do processo, a tendência é uma desconfiança e um rigor ainda maior na análise das licitações. Resultado: mais paralisação de obras e mais atrasos. Por isso, apesar dos avanços, Sundfeld está cético quanto à eficácia do regime diferenciado para acelerar processos. “A proposta do governo revela uma visão do fiscal como inimigo.”

Perigoso sigilo – O artigo 17 da medida provisória esconde um perigoso artifício, que, se aprovado, resultará numa porta escancarada à corrupção. Ele prevê publicidade a todas as licitações, exceto àquelas em que a divulgação oferecer risco à segurança da sociedade e do estado. Ora, pode algo público ser sigiloso? A decisão do que é ou não questão de segurança ficará a cargo do gestor da licitação, de acordo com os critérios que ele bem entender.

“Nunca houve no regime de licitação brasileira esse tipo de ressalva”, diz Sundfeld. “A medida provisória presume que haja licitações passíveis de sigilo. E não há. Isso enseja a distorção do princípio da publicidade. O único motivo para se sonegar informações sobre uma licitação é esconder irregularidades.”

A proposta ressuscita ainda o sigilo sobre o orçamento previsto para a obra ou compra que se está licitando, derrubado pela Lei de Licitações em 1993. Na teoria, as empresas proporiam valores mais baixos por não terem um valor comum de referência. Na prática, é impossível evitar vazamentos.

“Sigilo do orçamento não tem utilidade nenhuma a não ser para a malandragem. O administrador da licitação conta para o amigo de quanto é o orçamento e planta informação falsa para o inimigo”, diz Sundfeld.

Armadilhas como essas provam que a proposta de Regime Diferenciado precisa ser examinada com lupa pelos parlamentares, sob o risco de instaurar no Brasil um sistema vulnerável à corrupção e aos desmandos do poder público. Há boas propostas – prazos mais curtos e desburocratização – mas há, como sempre, a tentativa de lucrar em cima de uma conquista de todos os brasileiros: o direito de sediar dois eventos de dimensão planetária. O mundo está de olho.

Modelo de concessão de aeroportos sofre críticas

Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo - 08 de maio

O modelo que o governo quer adotar para a concessão dos aeroportos trará poucos avanços no enfrentamento dos problemas dos principais terminais do País. Como a concessionária vai explorar apenas as receitas comerciais (como as lojas) e a operação ficará com a Infraero, os problemas de gestão pelos quais a estatal é conhecida não devem ser resolvidos.

"A Infraero continuará arrecadando as tarifas aeroportuárias e terá a obrigação de fornecer diversos serviços aos passageiros e às companhias. Se hoje se questiona o papel da estatal nesse processo, como é que essa gestão vai continuar com ela? O que se está questionando não é só a agilidade para executar as obras, mas também a operação", afirma o consultor de gestão de aeroportos José Wilson Massa.

Se a estatal não for eficiente nos procedimentos de pista, por exemplo, os reflexos serão visíveis nos terminais, com a formação de longas filas, por exemplo. A atuação conjunta de duas empresas (a Infraero e a concessionária) num mesmo espaço também traz o temor de que não fique claro quais as responsabilidades de cada uma. Se tiverem problemas ao embarcar, a quem os passageiros recorreriam?

Para o professor da UnB e ex-presidente da Infraero, Adyr da Silva, ao deixar pistas e pátios de fora da concessão, o governo demonstra que tem uma visão míope da questão aeroportuária. Ao deixar as obras dessas instalações com a Infraero, corre-se o risco de ver repetirem-se os atrasos dos últimos anos. "Esse é o calcanhar de Aquiles. Está se discutindo apenas terminal de passageiros e nosso problema não é esse. Nosso problema, entre outros, é pista de pouso, controle de tráfego aéreo, pátio de estacionamento de aeronaves, software e tecnologias. A questão é mais complexa e ampla", diz Silva.

Ele afirma, porém, que é possível remover alguns entraves. Segundo o ex-presidente da Infraero, um entendimento com o Tribunal de Contas da União (TCU) também tornaria a concessão e as obras mais rápidas. Na avaliação dele, o tribunal extrapola as suas funções de fiscalização ao envolver-se na elaboração de contratos, por exemplo.

"O TCU, que deveria fiscalizar se você gastou bem o dinheiro, está sendo usado como órgão executivo. Por isso, assistimos a uma novela em Campinas, Vitória e Confins", disse Silva, acrescentando que, se governo e tribunal entrarem em consenso, seria possível economizar um ano na execução de projetos. Sabendo do problema, o governo já prevê um alinhamento com o TCU e outros órgãos, de acordo com a apresentação feita à presidente.

Mesmo fazendo uma força-tarefa, o governo não tira a corda do pescoço. Depois de concluído o leilão, as empresas levariam pelo menos quatro meses para colocar a mão na massa, período necessário para a elaboração do projeto executivo das obras.

"Não dá para pensar que a empresa vai começar a obra um dia depois de ganhar a licitação. No dia seguinte, ela começa a pensar em como ela fará a obra", afirma Richard Dubois, da consultoria PwC. Segundo ele, o custo do projeto detalhado de um terminal como o de Guarulhos é de cerca de R$ 20 milhões.

Com o projeto detalhado em mãos, a empresa ainda esbarrará nos prazos dos fornecedores, explica Dubois. "Um fornecedor de finger (instalação que conduz ao avião) disse que entre o pedido e a entrega leva-se um ano. Depois, são mais uns seis meses de ajuste fino." Ele lembra que o governo precisa estar com tudo pronto no início de 2014 para, em caso de erros na execução do projeto, ser possível corrigi-los.


Relação entre contratante público e privado: parceria?

Fiscalização & Parceria Contratado/Contratante - Limites da Relação Contratual - Aplicação de Penalidades[1]

Na melhor definição, “parceria” é uma relação formada para alcançar objetivos de maneira mais eficaz. É o famoso “ganha-ganha” na linguagem das negociações. É um conjunto de ações, destinadas a produzir benefícios a ambas as partes, ainda que com interesses opostos.

A compreensão comum diz que há parceria em um casamento, em um mutirão, na organização de uma festa, em cidadãos que se reúnem para promover o bem estar de seu bairro, de sua escola ou de seu condomínio. Há parceria quando professores se empenham em transferir conhecimentos e alunos se empenham para justificar a dedicação do mestre, estudando com esforço.

Já na pior forma de emprego da palavra, falar em “parceria” é utilizar de um recurso de linguagem, visando maquiar relações comerciais desequilibradas, nas quais apenas uma das partes terá vantagem. No mercado privado, muitas vezes o termo remete às idéias de emboscada e prejuízo ao fornecedor de bens e serviços.

Quem nunca recebeu uma oferta de “parceria” em relação a determinado produto ou serviço e a recusou com receio de cair em uma armadilha? Quem não lembra daquele iogurte funcional que o fabricante garante resultados em duas semanas ou seu dinheiro de volta? O consumidor compra o produto “na confiança” em seu parceiro. É o que se chama parceria try and buy, na qual a aquisição, normalmente, é a evolução de um prévio tempo de experimentação durante o qual a qualidade do produto será provada e comprovada. Contudo, na maioria desses casos, as expectativas da parceria não se concretizam para uma das partes, diante de prazos irreais e estratégias protelatórias.

Em algumas situações, a única evolução que se observa é para o ilícito, gerando incômodos, gastos e perdas.

Assim, falar em parceria no âmbito de contratos administrativos pode ser um marketing negativo. Pode ser interpretado como sinônimo de práticas escusas ou indesejadas, como ganhar tempo prorrogando datas de faturamento ou pagamento, furtar-se sem motivo ou com motivos insuficientes às obrigações avençadas, fugir do cumprimento de cláusulas de garantia e burlar os efeitos de penalidades corretamente aplicadas. De outro lado, atrasar pagamentos usando de poder exorbitante, sancionar o contratado sem possibilitar-lhe a prévia e suficiente defesa, atuar de modo imperativo e intransigente.

A verdadeira parceria está baseada nos seguintes princípios[2]:

· confiança e respeito mútuo entre contratantes e contratados;

· alcance de metas comuns, para solucionar problemas e, consequentemente obter "ganha x ganha" nas relações;

· métodos de comunicação efetivo;

· novas atitudes e padrões de comportamento.

De acordo com a doutrina privatista, definindo-se parceria tem-se[3]:

· A convergência de interesses, em que se decide trabalhar em conjunto em torno de objetivos comuns, sendo que, para efeitos práticos, fornecedores e compradores se comportam como sócios de um empreendimento, permitindo que os benefícios sejam repartidos entre si;

· Processo no qual ambas as partes saiam ganhando;

· Modo de negociar baseado na confiança, dedicação para metas comuns e uma compreensão das expectativas e valores de cada um (fornecedor e cliente).

Assim, quando falamos em parceria entre contratante público e privado, buscamos enfatizar a necessidade de colaboração para o alcance dos objetivos: objeto e preço. Sim, porque é necessário atentar para o fato de que os objetivos são diversos e que uma verdadeira parceria possibilita o alcance de ambos, em uma relação permeada pela lealdade e pela boa-fé. Uma relação de parceria possibilita, portanto, a satisfação de todas as partes envolvidas.

Ora, diante disso, seria apropriado dizer que, no contexto atual dos contratos administrativos, o contratante privado é um parceiro da Administração Pública? E isso, tendo-se em mente que a Administração Pública empreenderá todos os esforços para alcançar o interesse público, enquanto que o contratado de tudo fará para concretizar seus propósitos lucrativos?

As experiências concretas parecem mais se assemelhar a batalhas do que a parcerias... Contudo, continuamos ouvindo essa expressão cada vez mais, como um mantra que, repetido incessantemente, transformará a realidade.

Como intitular de parceria uma relação na qual uma das partes detém superioridade jurídica em face da outra, com poder para instabilizar o vínculo, submeter a outra parte a novas exigências e encargos, aplicar sanções e rescindir unilateralmente o ajuste? Aparentemente, o contratante privado estará sempre sob a mira do contratante público, como um oponente, não como um parceiro. Essa é a visão que o mercado tem dos contratos celebrados com a Administração Pública. Então, como chamar essa relação de parceria?

Sabemos que a superioridade do contratante público sobre o contratante privado decorre da superioridade do interesse público sobre o interesse privado, da necessidade de satisfação de interesses comuns e gerais, em detrimento, muitas vezes, de interesses (não direitos) individuais. Então, esta é e continuará sendo a tônica das contratações públicas, independentemente da evolução e aperfeiçoamento de seus regramentos.

Por isso, a pergunta que deve feita é “como transformar essa relação em uma parceria dentro desse contexto, sem alterar essas sólidas bases jurídicas?” E a resposta é: “Estabelecendo uma relação de confiança entre contratante e contratado”.

É urgente, portanto, a mudança de postura.

Mas essa não é uma tarefa fácil. Público e privado são, por definição, coisas opostas. O interesse público restringe e submete o interesse privado. O que é privado é de apenas um e não de todos. Assim, há e sempre houve certo melindre na relação público X privado (“a grande dicotomia”).

Para captar a dimensão do problema, tomemos o próprio processo de contratação pública como exemplo.

As empresas – nem todas, mas uma grande parte delas - adquirem o edital e, imediatamente, procedem à sua leitura com o objetivo de vislumbrar impugnações que possam trazer alguma espécie de vantagem. E essa postura de “busca de satisfação dos próprios interesses” permanece ao longo de toda a licitação. De outra parte, o pregoeiro ou membro da comissão de licitação, permanece em posição de defesa ou de ataque, conforme entender necessário. Ou, desde logo, mostra “quem manda”, visando coibir atitudes indesejadas.

E eis que se instala a batalha... O contrato é formalizado em meio a essa mesma névoa de conflito e litígio. Há desconfiança da Administração quanto à conduta do contratado – se entregará no prazo, se utilizará o material combinado, se atenderá com rapidez e presteza as solicitações. E, há desconfiança do contratado quanto à conduta da Administração – se pagará no prazo, se fará corretamente as medições, se atenderá solicitações de reequilíbrio econômico financeiro e, principalmente, se exercerá corretamente o poder de penalizar.

Para falar em parceria nos contratos administrativos, é preciso, antes de qualquer coisa, resgatar a fidúcia, quebrar o gelo, criar um ambiente propício – por que não dizer, um clima de camaradagem.

Entre as atitudes que podem ser tomadas, o primeiro passo é clarificar, desde o início, as regras do jogo. O contratante privado precisa saber com exatidão os detalhes da execução e, mais, os detalhes do acompanhamento e da fiscalização pelo agente administrativo designado para esta função. Estabelecer a dinâmica pela qual isso ocorrerá é fundamental. É sinônimo de segurança. Nenhum parceiro gosta de ser surpreendido pelo outro. Segurança gera tranqüilidade, tranqüilidade gera bom desempenho, bom desempenho gera resultados ótimos.

Um plano de acompanhamento e fiscalização pode ser traçado, indicando metas e resultados a serem obtidos. Por mais singelo que seja, será um ponto de partida, de modo que tudo o que puder ser, no futuro, exigido pelo fiscal do contrato já será de conhecimento de seu preposto, e que o descumprimento de tais normas de conduta, de tal “acordo de cavalheiros”, possa ser caracterizado como uma quebra da fidúcia, instabilizando a parceria e legitimando a outra parte a tomar as providências necessárias.

A elaboração do referido plano poderá contar com a colaboração prévia do contratante privado, ou posterior visando ao aperfeiçoamento. Mas a participação de ambos é necessária para formar um ambiente de parceria, contrário à idéia de unilateralidade.

O segundo passo é estabelecer uma comunicação eficiente e efetiva entre fiscal e preposto e um compromisso de atendimento das demandas de parte a parte. Não é compatível com uma verdadeira parceria a dificuldade ou a impossibilidade de proceder aos necessários ajustes de conduta em decorrência da dificuldade ou impossibilidade de estabelecer contato. É imprescindível determinar os canais de comunicação que serão utilizados, os horários em que os responsáveis estarão disponíveis, as formas alternativas de comunicação, os prazos para resposta. Novamente, a desatenção às regras representará quebra de fidúcia, dificultando a manutenção da relação contratante/contratado nos termos idealizados.

Sob outro enfoque, para além da relação fiscal/preposto, é preciso criar a sensação de que haverá boa vontade na análise e no atendimento de solicitações. E isso não apenas do contratado perante a Administração, mas também da Administração perante o contratado. O “deixar para amanhã” deve ser abolido, adotando-se o lema “o parceiro em primeiro lugar”.

O terceiro passo, de extrema importância, é acabar com o mito das injustiças e desmandos na aplicação de penalidades ao contratante privado. Para isso, é necessário que o agente público saiba exatamente quais são as possibilidades e os limites de atuação, compreenda as competências de cada ator neste processo, conheça as formalidades inerentes, e que o contratante privado sinta-se seguro quanto à observância do Princípio da Legalidade. Trataremos do assunto em breves palavras, dispondo em 5 (cinco) tópicos para melhor compreensão:

1 O objetivo da sanção

Primeiramente, deve-se contextualizar a atividade administrativa sancionadora, especialmente no âmbito contratual. A aplicação de sanções aos contratados decorre do exercício de uma prerrogativa pública conferida à Administração. O objetivo primordial é desestimular a prática de condutas juridicamente reprováveis[4] e evitar os efeitos que dela puderem advir. Estabelece-se consequências indesejadas, restritivas de direito, ao agente infrator, esperando que, ciente delas, deixará de praticar a infração. O objetivo da sanção não é a punição do agente com a inflição de um castigo, nem a obtenção de proveitos econômicos aos cofres públicos.[5] E, é nesse contexto que deve ser compreendida a atuação sancionadora no âmbito das licitações e contratos públicos, disciplinadas pela Lei 8.666/93 nos arts. 86 e seguintes e pela Lei 10.520/02, no art. 7º.

2 A motivação da sanção

É fundamental considerar que o exercício das cláusulas exorbitantes – e, frisa-se, a aplicação das sanções contratuais - apenas pode ocorrer em busca da melhor realização do interesse público tutelado. Daí dizer-se que o principal limite ao exercício de uma prerrogativa é exatamente o interesse público que a autoriza. Sem interesse público ou dele desbordando, não haverá legalidade, nem legitimidade. A atuação administrativa deve permanecer na estrita margem do necessário para a satisfação do interesse público, nem mais, nem menos. Desse modo, o Princípio da Motivação dos Atos Administrativos norteia obrigatoriamente a atividade administrativa sancionadora.

3 O dever de aplicar a sanção

O exercício das ditas prerrogativas públicas, por outro lado, apresenta-se como um dever da Administração, inafastável e impostergável por força do princípio da indisponibilidade do interesse público. Portanto, não se tratam de meros poderes especiais, mas de deveres cuja omissão pode levar à responsabilização. Em outras palavras, não se está diante de um poder exercitável sob critérios discricionários, mas de um dever-poder da Administração Pública[6] que não comporta inércia ou “não exercício”.

Essa vinculação traz consigo a certeza da atuação administrativa, ou melhor, a segurança quanto ao que dela se pode esperar. Ao dotar-se dessa objetividade, a atividade sancionadora assegura o tratamento isonômico a todos os infratores, impedindo a interferência de juízos pessoais e o privilégio de outros interesses e finalidades. Como efeito imediato tem-se o afastamento da idéia de que a Administração Pública aplica sanções ao bel prazer, com base em análise de conveniência e oportunidade.

4 A previsão das infrações e sanções correspondentes

Ainda em busca de promover a certeza e a segurança jurídica, a possibilidade de aplicar sanções depende da previsão das condutas consideradas infrações.[7] Assim, cabe à Administração regular a matéria em edital e/ou contrato, indicando as condutas vedadas e as respectivas conseqüências. Nessa atuação, alguns limites devem ser respeitados[8], tais como:

a) não cabe inovar, mas apenas desdobrar o texto legal e torná-lo aplicável;

b) qualquer interpretação legal não deve ocorrer para ampliar a aplicação da norma, ante a restrição de direito nela contida;

c) deve-se atentar para o conteúdo semântico das expressões legais, restringindo-se a determinar os termos genéricos;

d) devem ser considerados os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade para a fixação dos critérios de aplicação da sanção;

e) devem ser respeitados a garantia do Devido Processo Legal e o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa na definição e condução do procedimento a ser seguido.

Assim, e como dito, na atividade de atribuir uma sanção a uma infração específica, a Administração deve atuar orientada pelo princípio da proporcionalidade, chamado, no Direito Penal, de princípio da dosimetria da pena. As sanções menos severas devem ser reservadas a infrações de menor gravidade e as mais severas, as de maior gravidade, assim sucessivamente. A gravidade da sanção dependerá da gravidade da infração. A assimilação e identificação dos diferentes níveis de gravidade deverá levar em consideração a relevância do objeto para o interesse público, o prejuízo causado pela infração, as normas vigentes e, conforme o caso, as características locais, como usos, costumes e moral.

5 A configuração da infração e o processo de aplicação

Por fim, para a imposição da sanção, é necessário verificar o atendimento a duas condições, quais sejam, a configuração concreta da conduta reprovável e a existência de culpa do contratado.

Sua aplicação exige observância do devido processo legal, com todos os meios e recursos a ele inerentes, conforme assegura o art. 5º, inc. LV e LVII da Constituição da República. Significa que o contratado terá direito a acesso irrestrito aos autos, à produção de provas, ao acompanhamento de eventuais diligências, à manifestação escrita, ao recurso administrativo cabível e a um julgamento justo, pautado nas informações contidas no processo.

Cabe frisar a atuação fundamental do fiscal do contrato no que tange à aplicação de sanções. Isso ocorrerá na apuração das falhas, na investigação das circunstâncias que permeiam a infração e na documentação formal das ocorrências, de modo a possibilitar o adequado exercício do contraditório pelo contratado e a correta fundamentação da decisão administrativa. O fiscal deve buscar a verdade, não se contentando com meias informações ou explicações insuficientes para embasar qualquer juízo. Veja-se que não se fala em aplicação de sanções pelo fiscal, mas em instrução do processo destinado a tanto.

Com efeito, a competência sancionadora, dada a sua natureza, deve permanecer em mãos de autoridades com poder de representação da Administração contratante. Cabe aos diversos entes federativos discipliná-la, estabelecendo, a Lei 8.666, apenas, que a competência para aplicação da declaração de inidoneidade no âmbito do Poder Executivo é exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso.

Ao fim e ao cabo, uma última palavra deve ser dita: a necessidade de estabelecer efetivamente uma parceria não significa a possibilidade de atenuar os rigores da escolha do parceiro e da fiscalização da execução contratual. É fundamental para a fórmula aqui sugerida que o desejado parceiro detenha condições de executar o contrato e venha a atuar de modo leal e honesto, possibilitando à Administração Pública a obtenção eficiente dos fins visados.

[1] Palestra proferida no I Congresso de Licitações e Contratos do Norte do Brasil, realizado de 10 a 13 de maio de 2011 em Manaus.


[3] Idem.

[4] FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. Malheiros, São Paulo: 2001, p. 45.

[5] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed., Malheiros, São Paulo: 2006, p. 798-799.

[6] VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no Direito Administrativo. Malheiros, São Paulo: 2003, p. 65 e FERREIRA, Daniel., ob. cit, p. 40.

[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11. Ed., Dialética, São Paulo: 2003, p. 617.

[8] DIAS, Eduardo Rocha. Sanções Administrativas. Malheiros, p. 83.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Acesse a íntegra da MP 521, conforme Projeto de Lei de Conversão nº11/2011

http://www.camara.gov.br/sileg/integras/867419.pdf

MP da Copa: principais sugestões de mudança

O parecer da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) à Medida Provisória 521/10 traz ainda outras novidades na área de licitação. As principais são:

- O valor global da obra não será antecipado pelo gestor público aos participantes da licitação, como ocorre hoje. O Executivo alega que o objetivo é evitar a combinação de preços entre os concorrentes;

- O contrato com a empresa vencedora da licitação poderá estabelecer o pagamento de uma espécie de bônus caso esta entregue a obra antes do prazo previsto. É a chamada “remuneração variável”, que vai levar em conta ainda, além do prazo, critérios como a sustentabilidade ambiental do empreendimento. O contrato vai estabelecer as metas que darão direito ao bônus;

- O gestor público poderá optar pelo fracionamento da obra em diversas licitações, desde que não haja aumento de custos para o poder público. O fracionamento é chamado de “parcelamento do objeto”;

- O edital de licitação para aquisição de bens poderá nomear a marca ou modelo da mercadoria a ser adquirida pelo órgão público. Hoje a Lei de Licitações (
8.666/93) proíbe essa indicação expressa;

- As licitações pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para obras e serviços de engenharia serão realizadas, preferencialmente, por pregão eletrônico. A Lei de Licitações não permite o certame eletrônico em obras de engenharia;

- O custo global da obra respeitará as tabelas oficiais de custos unitários. Uma é preparada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), e destina-se a obras rodoviárias. Outra é mantida pela Caixa Econômica Federal, e voltada a obras civis em geral. Mas o texto permite que a construtora use outras tabelas, desde que não seja possível adotar referências oficiais;

- Caso o vencedor da licitação desista de assinar o contrato, o gestor público poderá convocar o segundo colocado, respeitando o seu preço. Atualmente, o segundo colocado é obrigado a usar os preços da proposta vencedora;

- Para tornar o processo licitatório mais rápido, o parecer permite a inversão de fases, pelo qual a habilitação técnica e jurídica das empresas concorrentes será feita antes da apresentação dos lances e do julgamento. Hoje, a habilitação só ocorre após a abertura das propostas. O objetivo seria descartar, de antemão, empresas que não teriam condições técnicas de tocar a obra;

- No mesmo espírito de adiantar o processo licitatório, o texto determina que a licitação terá uma única fase recursal, realizada após a habilitação do vencedor. Hoje o mais comum é que ocorram duas fases para apresentação de recursos contra qualquer aspecto da licitação;

- Também para ganhar tempo, as licitações cujo valor não ultrapassem R$ 150 mil, para obras, ou R$ 80 mil, para bens e serviços, ficarão dispensadas da publicação de edital. O governo propôs valores maiores para a dispensa (respectivamente R$ 1,5 milhão e R$ 650 mil), mas acabou acatando sugestão do DEM de reduzi-los;

- Serão desclassificadas propostas que não obedeçam às especificações técnicas, manifestem preços inexequíveis ou contenham vícios insanáveis. Essa última exigência tem como objetivo evitar a burocracia: é comum a desclassificação de concorrentes por problemas menores, como a falta de um documento. Pelo RDC, a exclusão do concorrente terá que ser motivada por um problema irremediável;

- Para caracterização do sobrepreço, deverá ser levado em conta o preço global, os quantitativos e os preços unitários “considerados relevantes”. Ou seja, os de maior valor dentro da obra;

- O governo poderá criar um banco de dados próprios com empresas pré-qualificadas para participar das licitações. Em casos específicos, a serem definidos em regulamento, a licitação poderá ficar restrita aos pré-qualificados;

- As licitações feitas com base no RDC serão julgadas por uma comissão composta majoritariamente de servidores públicos;

- Entre os critérios para definição do ganhador está o maior retorno econômico para a administração pública;

- As contratações com base no RDC devem respeitar a destinação adequada dos resíduos sólidos gerados pela obra.


MP 521 deve ser votada terça-feira na Câmara

7 de maio de 2011

O governo resolveu se municiar para defender a aprovação pela Câmara, na terça-feira, da Medida Provisória 521, que tira do âmbito da Lei das Licitações as regras para a realização de obras ligadas à Copa das Confederações, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.

Uma das principais armas será um estudo inédito elaborado pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, há três anos, mas que ainda não tinha saído da gaveta e ao qual o Estado teve acesso. Nele, a Secretaria avalia que o novo modelo é melhor que o anterior, pois, além de mais transparente, fomenta mais a concorrência, diminuindo a possibilidade de formação de cartel e consequente aumento de preços.

O levantamento da SDE foi feito para o projeto de lei sobre a Lei das Licitações, mas se encaixa como uma luva para a MP, que é relatada pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). O texto proposto pela parlamentar institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) e possibilita a criação de novos mecanismos para licitações e contratos para a realização de eventos esportivos.

A necessidade de mudança no enquadramento dos jogos partiu da avaliação de que a atual legislação das licitações é arcaica. A maioria das críticas diz respeito ao enfoque dado apenas ao preço, sem primar pela qualidade do produto ou serviço a ser contratado pelo governo. Além disso, é vista como uma regulação muito hermética e que impossibilita contratação de vários produtos e serviços. "Vale lembrar que a lei foi elaborada logo após a CPI do Orçamento, quando os brasileiros exigiam mais rigor do uso do dinheiro público", salientou uma fonte.

Esta não é a primeira vez que o governo tenta emplacar o RDC. Na outra tentativa, quando foi criada a Autoridade Pública Olímpica (APO), o governo não teve sucesso por um forte trabalho feito pela oposição. Agora, o governo optou por apresentar argumentos técnicos na defesa de sua proposta. Um dos ataques mais ferrenhos da oposição é contra a falta de um teto para aumentos de custo das obras em relação à proposta inicial. A análise feita pela SDE, no entanto, não toca neste tema e se restringe a avaliar os efeitos anticoncorrenciais.

A oposição questiona também o fato de o governo ter ampliado a abrangência do RDC. Antes, a proposta valia apenas para as obras em aeroportos, mas foi estendida para tudo aquilo que for considerado necessário para a realização da Copa das Confederações de 201, da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.

Cartel

O estudo da SDE avalia que o modelo de inversão de fases de licitação é o mais adequado para a competição entre as empresas e o melhor para evitar possível formação de cartel. Atualmente, a Lei de Licitações prevê que primeiro se faça a habilitação das companhias interessadas em servir o Estado e, em seguida, se realize o processo de julgamento das propostas. A nova proposta inverte essa sequência e a publicidade das empresas passa a ser uma das últimas etapas.

MP da COPA: aprovação pode sair na próxima semana

5 de maio de 2011

Após ser editado com ajuda do Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-geral da União (CGU), o texto da Medida Provisória que vai agilizar as licitações de obras relacionadas à Copa e à Olimpíada pode ser aprovado já na semana que vem, na Câmara dos Deputados. Ele foi lido nesta quarta-feira, dia 4 de maio, anexado à MP 521/2010, que tem como relatora a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Originalmente a MP 521/2010 trata de atividades e da nova remuneração para médicos-residentes. Se aprovada na Câmara, a matéria seguirá para o Senado. E, depois, para a sanção presidencial.

Apesar da manifestação negativa da oposição na Casa após a leitura da matéria, a deputada acredita que o texto é a melhor maneira de facilitar as obras sem desrespeitar a Constituição e deixar uma porta aberta para o temido superfaturamento.

– O projeto impede aditivos à obra por meio da contratação integrada. É um avanço. Apenas obras que constam na Matriz de Responsabilidade poderão utilizar esse recurso da Lei. Não podemos correr o risco de as obras para a Copa não ficarem prontas. A oposição faz o papel dela em brecar. Cria fatos para poder aparecer. Mas a discussão ainda vai começar e acredito que vai passar na semana que vem, mesmo com destaques – opinou Jandira Feghali.

Em audiência pública no Senado na última terça-feira, o presidente do TCU, o ministro Benjamin Zymler, falou sobre a MP 521. Apesar de discordar de alguns pontos, garante que o texto será benéfico para o evento.

– Eu diria que a Medida Provisória suscitada pelo Governo é ótima em 95% dos pontos. Pode ser excelente também se a gestão for adequada e os orçamentos confiáveis. Basta ter os cuidados necessários – alertou o ministro.

Entenda a tramitação da matéria no Congresso:

A tramitação da MP das licitações já completou um ano. Teve início com a MP 489, de maio de 2010. Depois, foi transferida para a 503/2010 e retirada de pauta a pedido da oposição. Deveria ter sido incluída na 510/2010, mas por conta da reformulação do texto, que passou por revisão pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-geral da União (CGU), não houve tempo. Por tudo isso, só retornou ao plenário da Câmara nesta quarta-feira, anexada à MP 521/2010.

Estamos preparados para uma Lei de Licitações menos rígida e burocrática?

A Revista Veja dessa semana traz uma reportagem sobre a atuação do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu nas obras do PAC. Por meio de seu tráfico de influências, uma empreiteira saiu do ostracismo para figurar entre as seis maiores do Brasil. A "notícia" não pegou ninguém de surpresa. Toda semana temos alguma coisa do gênero. Ademais, já passamos da fase da ingenuidade ou de duvidar que "seja bem assim". É assim, infelizmente. Enquanto nos dedicamos a capacitar e treinar servidores públicos bem intencionados em realizar licitações sob o manto da legalidade, enquanto buscamos concretizar nossa missão de contribuir para um Brasil melhor, aqueles que realmente detém o poder não só se furtam a esse dever, como usam da influência adquirida pelo cargo ou função pública anterior para auferir proveito próprio.

Mas, o texto traz uma reflexão que me parece fundamental: estamos preparados para uma Lei de Licitações menos rígida, menos burocrática, menos formal, com maior possibilidade de atuação discricionária? Se os entraves, as dificuldades, a burocracia são porta aberta para esses "facilitadores", uma lei mais objetiva e simples, que parta de uma maior confiança em seus operadores pode ser cogitada? Saberemos manusear o poder e o dever?

Em tempo de discussão sobre o sistema licitatório nacional, via PLC 32 e MP 521, e de busca de um modelo para a Administração Pública brasileira, não se houve falar disso. Talvez porque a resposta seja óbvia...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Participação de parentes de servidor em licitações - Entendimento atual do TCU

O art. 9º da Lei 8.666 arrola em seus incisos I, II e III as chamadas pessoas impedidas de participar de licitações e contratações diretas, assim como de suas execuções. O §3º e 4º conceituam e vedam a participação indireta. Em nenhum desses dispositivos encontra-se proibição relativa a pessoas que guardem algum grau de parentesco com servidores integrantes dos quadros da Administração promotora do certame.

No âmbito do TCU, a  Decisão paradigma era a de nº 603/97, que determinava "a Justiça Federal de Primeira Instância no Estado do Pará que observe fielmente as prescrições contidas no art. 9º da Lei nº 8.666/93, de forma a somente vedar a participação, direta ou indireta, nas licitações e na execução de obra ou serviço e no fornecimento de bens a eles necessários, das pessoas arroladas nos incs. I, II e III do referido dispositivo". O fundamento era no sentido de que, tratando-se de normas restritivas de direito, não se permite a ampliação para outras hipóteses não descritas.

Não é preciso dizer que a questão sempre gerou controvérsias que vinham sendo solucionadas caso a caso. De uma maneira geral, orientava-se aos órgãos e entidades sob o julgo da Corte de Contas federal que permanecesse atenta a eventual ocorrência concreta de afronta aos Princípios da Moralidade e da Isonomia, mediante a auferição de vantagem indevida.

Os debates sobre o tema foram evoluindo gradativamente, resultando em algumas normas proibitivas. Em 2005 o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 07 de 2005, que prevê como prática de nepotismo "a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidor investido em cargo de direção e de assessoramento". Em 2010 foi editado o Decreto nº 7.203/10, que disciplina a vedação ao nepotismo no âmbito da Administração Pública federal, determinando, entre outros, que "serão objeto de apuração específica os casos em que haja indícios de influência dos agentes públicos referidos no art. 3º (...) II - na contratação de familiares por empresa prestadora de serviço terceirizado ou entidade que desenvolva projeto no âmbito de órgão ou entidade da administração pública federal". Ainda, que "Os editais de licitação para a contratação de empresa prestadora de serviço terceirizado, assim como os convênios e instrumentos equivalentes para contratação de entidade que desenvolva projeto no âmbito de órgão ou entidade da administração pública federal, deverão estabelecer vedação de que familiar de agente público preste serviços no órgão ou entidade em que este exerça cargo em comissão ou função de confiança."

Recentemente, o Acórdão nº 607/11-TCU/Plenário traz uma postura mais rigorosa. Analisando uma Representação interposta pela Câmara Municipal de Marataízes/ES, a Egrégia Corte de Contas federal concluiu que a contratação de empresa pertencente ao sobrinho do prefeito fere os princípios da Moralidade e da Isonomia, observe-se:

"Assevero que a irregularidade verificada no item 3.4 acima afronta os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade que devem orientar a atuação da Administração Pública e, mesmo que a Lei nº 8.666, de 1993, não possua dispositivo vedando expressamente a participação de parentes em licitações em que o servidor público atue na condição de autoridade responsável pela homologação do certame, vê-se que foi essa a intenção axiológica do legislador ao estabelecer o art. 9º dessa Lei, em especial nos §§ 3º e 4º, vedando a prática de conflito de interesse nas licitações públicas, ainda mais em casos como o ora apreciado em que se promoveu a contratação de empresa do sobrinho do prefeito mediante convite em que apenas essa empresa compareceu ao certame.

Ressalto que a ação dos gestores públicos deve pautar-se sempre pela busca do atendimento aos princípios insculpidos na Constituição, mormente os que regem a Administração Pública. E, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 17ª Ed., 2004, pág. 842: 'violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos'." (Sem grifos no original.)

terça-feira, 3 de maio de 2011

O cumprimento de resoluções de Agências Reguladoras em licitações

A questão da observância de Resoluções da ANVISA em licitações é realmente tormentosa. Tratam-se de normas de cunho coibitivo, ou seja, que impõe uma conduta obrigatória aos particulares que atuam no ramo, mas que, segundo recente posicionamento do TCU, citado em post anterior, não poderiam ser trazidas para a habilitação, haja vista sua natureza de ato normativo infralegal. Especificamente sobre o CBPF, segundo a Corte de Contas federal, considerando que a própria ANVISA o exige para fins de registro, apenas a exigência deste na licitação seria suficiente. Contudo, na imensa maioria das vezes a observância das exigências apontadas na cartilha da ANVISA é indicativo da seriedade da empresa licitante e, portanto, de segurança para o contrato - apesar de não ser impossível se deparar com empresas com registro e sem CBPF.

A interpretação restritiva realizada pelo TCU pode até ser a mais correta tecnicamente, pensando em uma Lei que foi elaborada em 1993, época em que eram poucas as agências reguladoras existentes (Departamento Nacional do Café, depois IBC, e o Instituto do Açúcar e do Álcool, criados em 1933, os Institutos Nacionais do Mate (1938), do Sal (1940), e do Pinho (1941), a Comissão Nacional de Energia Nuclear (1956), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE (1962) e o Banco Central (1964)). As agências reguladoras que conhecemos melhor e que regulam atividades bastante elementares (ANEEL, ANATEL, ANVISA, ANA, ANTT e ANTAQ) vieram com a reforma do estado do Governo FHC. A ANVISA, especialmente, foi criada em 1999, apenas, ou seja, bem depois da promulgação da Lei 8.666/93.

Hoje, não me parece compatível com o sistema normativo vigente que as licitações permaneçam alheias às regulações de tais entidades. Essa não foi, infelizmente, a llinha do TCU, a qual tende a influenciar as licitações daqui para frente, inclusive nos planos estaduais e municipais.
Talvez fosse adequado promover uma mudança no inc. IV do art. 30 da Lei 8.666, de modo que acomodasse explicitamente as resoluções das agências reguladoras, analisado o cabimento em cada caso concreto. Mas, para dificultar um pouco mais, os especialistas criticam a atuação das agências reguladoras nacionais, sugerindo que estariam ultrapassando suas competências constitucionais, o que pode ser um entrave real ao deslinde da questão.

Mediação nos contratos da Copa

Seminário no STF: painel aborda uso de mediação nos contratos da Copa
 
No terceiro e último painel do seminário “Poder Judiciário e Arbitragem: diálogo necessário”, ocorrido nesta segunda-feira (2), no Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sugeriu a utilização da arbitragem e da mediação durante a Copa do Mundo de 2014, que ocorrerá no Brasil.

Ela disse que já fez reuniões nesse sentido, “sobre a necessidade de o Brasil abrir a porta de visibilidade maior ainda da arbitragem” e recomendando que, nos contratos de infraestrutura da Copa do Mundo, tivesse a cláusula de arbitragem. Ela também indicou que seja adotado o sistema da mediação em conflitos de pequeno porte durante os jogos.

Assim, seriam criadas câmaras permanentes (24h) de arbitragem nas 12 capitais brasileiras que serão sede dos jogos. “Que o Judiciário seja atento a não se constituir um obstáculo no desenvolvimento dessas obras que prometem e sempre causam muitos problemas”, disse.

A mesa, da qual a ministra Nancy Andrighi participou, teve como tema “O Judiciário brasileiro e os desafios da arbitragem internacional – homologação de laudos e decisões estrangeiras”. André de Albuquerque Cavalcanti Abbud, do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) mediou esse painel no qual falaram também o professor de direito e arbitragem da Erasmus University Roterdã e presidente do Instituto de Arbitragem da Holanda, Albert Jan van den Berg, e professor aposentado de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP José Carlos de Magalhães.

Cultura do litígio

“A causa de congregar o Judiciário com as instituições de arbitragem é para mim, que acompanho desde a elaboração da Lei de Arbitragem (Lei 9307/96), um dos mais significativos eventos já realizados em Brasília”, disse a ministra Nancy Andrighi. Para ela, “o Brasil agora está no compasso da tendência mundial”.

Ela ressaltou que no país há uma “cultura do litígio” e o Poder Judiciário está sempre sobrecarregado de processos, o que pode revelar um sistema lento e caro para a prestação de serviços à sociedade. “As formalidades judiciais não favorecem esse cenário e apresentam uma verdadeira incapacidade à demanda de todos aqueles que necessitam do acesso a uma ordem jurídica justa”, avaliou.

Segundo a ministra, o Judiciário não pode assumir o risco de ser um obstáculo para o desenvolvimento célere e efetivo do procedimento arbitral. “O Poder Judiciário tem que ter responsabilidade”, afirmou, salientando que uma das saídas é a justiça participativa “e trabalhar com afinco para que os árbitros sejam nossos parceiros nesta função de julgar. Na verdade, hoje não existe a paz social sem a paz jurídica e é a isso que eu convido a todos”.

Professor de direito e arbitragem da Erasmus University Roterdã e presidente do Instituto de Arbitragem da Holanda, Albert Jan van den Berg falou sobre a arbitragem internacional e contou um pouco de sua trajetória na área. Ele foi um dos especialistas internacionais ouvidos pelos participantes do seminário durante todo o dia de hoje.

Albert abordou questão relacionada à interpretação das sentenças e suas execuções. Ressaltou que deve haver um alinhamento de interpretação, bem como a aplicação dos tratados internacionais nessas matérias. Segundo ele, vários países do mundo utilizam de forma rotineira a arbitragem e, assim, têm investido em soluções alternativas para a desobstrução do Poder Judiciário. Por fim, o professor entende que seria útil que fossem feitas referências expressas à Convenção de Nova Iorque nos casos de homologação de sentença estrangeira no Brasil.

Sentença judicial x sentença arbitral

O professor aposentado de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP José Carlos de Magalhães esclareceu que a sentença judicial decorre do Estado, sendo assim, disse que a decisão judicial está relacionada à soberania e à autoridade do Estado. Já a decisão arbitral, para ele, é uma sentença privada, na qual o Estado não é parte.

Dessa forma, José Carlos considerou, por exemplo, que um Tribunal Arbitral não tem autoridade pública e seus atos devem ser submetidos ao Judiciário brasileiro. Isto é, o Brasil entende que a sentença arbitral tem que ser, necessariamente, homologada. Ele também falou sobre a repercussão da Convenção de Nova Iorque no sistema jurídico brasileiro. Salientou que a Convenção foi internalizada e, por isso, é lei no Brasil. Tendo em vista que ela entrou no ordenamento brasileiro após a Lei da Arbitragem (Lei 9.307/96), esta foi modificada pela convenção.

Fonte: http://www.stf.jus.br/

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Chega ao Congresso a proposta de EC da sociedade civil para obrigar à apresentação de Programa de Metas e Prioridades de gestão


Folha de São Paulo, 26 de abril de 2011

Está sendo entregue no dia de hoje às lideranças partidárias no Congresso uma proposta de emenda constitucional, subscrita por pessoas físicas e dezenas de entidades representativas da sociedade civil, que determina que presidente(a) da República, governadores(as) e prefeitos(as) eleitos(as) apresentem um Programa de Metas e Prioridades de sua gestão até 90 dias após a respectiva posse. Esse programa de metas precisa estabelecer metas quantitativas e qualitativas para cada um dos setores da administração pública (educação, saúde, trabalho, habitação etc.), para cada uma das regiões (para visibilizar e melhor combater a desigualdade regional) e precisa conter todas as propostas e promessas da campanha eleitoral.

O programa deverá especificar metas e indicadores de meios (por exemplo, a construção de hospitais, postos de saúde, escolas, creches etc.) e metas e indicadores de resultados (por exemplo, a redução da mortalidade infantil e materna, da evasão escolar, do analfabetismo, de deficit de creches etc.).

O Poder Executivo deverá divulgar, a cada quatro meses, uma prestação de contas sobre o andamento do plano de metas.O programa de metas deverá seguir diversos critérios, entre eles o combate à miséria, a inclusão social com redução das desigualdades regionais e sociais, a melhoria da qualidade de vida da população, a promoção e a defesa dos direitos humanos, a promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado e de uma economia inclusiva, verde e responsável e a universalização dos serviços públicos com eficiência e qualidade.

Essa iniciativa foi inspirada pela experiência na cidade de São Paulo, onde uma proposta semelhante, apresentada pela Rede Nossa São Paulo, apartidária e que congrega 650 organizações da sociedade civil, foi acolhida por unanimidade pela Câmara Municipal. A atual gestão apresentou 223 metas, que estão sendo acompanhadas atentamente pela população e pela mídia.

A proposta, caso aprovada, será um enorme avanço no aperfeiçoamento da democracia participativa e estimulará a melhoria da qualidade da gestão pública.

Não conheço nenhuma organização, pública ou privada, bem-sucedida que não trabalhe com metas, acompanhamento e avaliação regular dos resultados. Esse não é o caso da maioria das nossas políticas públicas. Não é por acaso que, no Brasil, que tem uma carga tributária equivalente àquela da maioria dos países do Primeiro Mundo, os serviços públicos são, em geral, de baixíssima qualidade.

A obrigatoriedade de colocar as promessas de campanha no programa de metas torna o processo e as campanhas eleitorais mais responsáveis e estimula a elaboração mais qualificada dos programas.
O programa de metas e o seu acompanhamento permitem à sociedade e à mídia uma avaliação muito mais objetiva do mandato dos eleitos a cargos executivos. O governante será avaliado de forma mais objetiva, e o eleitor poderá estar mais informado para votar de forma mais consciente.

O estabelecimento de metas e a regular prestação de contas aumentam a transparência na gestão pública e inibem a corrupção. Queremos que essa proposta, ao tratar dos interesses e dos anseios de todos os brasileiros, seja abraçada pelo governo e pela oposição.

Todos os partidos políticos, sem exceção, advogam, em seus programas, todos os itens contemplados nessa proposta. Terão, assim, a oportunidade de provar a coerência entre seu discurso e ação. A aprovação dessa emenda constitucional dará um enorme salto de qualidade ao processo político brasileiro.

Desistir da Copa????

Amigos, ontem a noite, lendo a coluna do Roberto Pompeu de Toledo da Revista Veja desta semana, fui pega de surpresa com a mais óbvia das conclusões: temos que desistir da Copa.

Posso ser apedrejada por afirmar isso com tanta convicção e confesso que isso também me traz um certo desconforto, uma sensação de traição à pátria amada. Afinal, o futebol é o nosso circo... Contudo, sem me importar muito com as consequências, até porque a idéia não é minha, mas do fantástico colunista, repito, agora com ênfase: temos que desistir da Copa!

Diariamente, descortina-se diante de nós o prenunciado fracasso das obras de infraestrutura, fundamentais para a realização do evento. Aeroportos, estádios, mobilidade, nada está dentro do cronograma. As obras já iniciadas estão sendo suspensas pelo TCU por irregularidades, o que faz com que, de certa forma, sejamos gratos por algumas ainda não terem saído do papel. Como alternativa, a Presidência da República, preocupada em livrar-se da herança maldita de seu antecessor e não desapontá-lo (muito embora eu acredite que, no fundo, ela o amaldiçoe por isso), quer encontrar um jeito de antecipar as obras, ainda que às custas de medidas provisórias inconstitucionais (afinal, essa prática não é prerrogativa de seu governo, mesmo...) e  ilegalidades. A máquina pública, aparato tão caro, está sendo colocada ao (des)serviço do interesse público por conta do sonho de um megalomaníaco aficcionado em futebol. Em metáfora simples, é como se um obeso fosse empurrado para uma esteira elétrica e obrigado a acelerar o passo, mesmo que lhe custe um infarto!

Todos sabemos que, a exemplo do Pan, as obras para a Copa e as Olimpíadas serão um ralo pelo qual escoarão dinheiro público, moralidade e legalidade, para não estender demais a lista. E com tanta coisa pra fazer nesse Brasil...

É preciso desistir enquanto é tempo. Nossa Presidenta, propalada exímia administradora, precisa reconhecer de uma vez que não foi uma boa idéia, não vai dar certo e não é o melhor para o nosso país. Seria uma decisão corajosa, técnica e não política, que lhe traria imensa credibilidade e marcaria seu desapego ao populismo "pão e circo".

Enquanto isso, fico imaginando que se o País do Futebol não vencer a Copa que ele mesmo sediou, com sacrifício de tantos valores e pilares, ironizando seu próprio povo e as necessidades reais da nação, amargará a pior das ressacas e continuará sendo apenas o "País da piada pronta"...

domingo, 1 de maio de 2011

A possibilidade de ultrapassar os limites de valor estabelecidos pela Portaria SLTI para contratações com cessão de mão de obra


As Portarias SLTI são editadas periodicamente, a critério da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, atualizando "os limites máximos para a contratação de serviços de vigilância, executados de forma contínua em edifícios públicos e celebrados por órgãos/entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais - SISG, para as Unidades Federativas relacionadas". Essa periodicidade, ao que se pode verificar, tem sido, no mínimo, anual.

Tais portarias tem sido alvos de intensas críticas do setor privado, ao argumento de que não refletem a realidade dos custos e preços de mercado. O setor público também tem sentido essa dificuldade, pois as pesquisas de preços que instruem as licitações com tais objetos não conseguem ser enquadradas nos limites estabelecidos pela SLTI. Então, surgiram as dúvidas:

1) os limites restringem as repactuações?
2) é possível prorrogar contratos com valores acima dos limites?
3) na licitação, as propostas superiores devem ser desclassificadas?

As duas primeiras indagações foram respondidas pela Portaria 18, de setembro de 2010, em vigor. De acordo com seu texto, "Os valores limites estabelecidos nesta Portaria não limitam a repactuação de preços que ocorrer durante a vigência contratual, mas apenas os preços decorrentes de nova contratação ou renovação de contrato, tendo em vista que o art. 37, inciso XXI da Constituição Federal assegura aos contratados o direito de receber pagamento mantidas as condições efetivas da proposta" (art. 3º).

Em relação à repactuação, a disciplina normativa e seu fundamento não merecem reparos. Contudo, no tocante à prorrogação, e assim também em relação à terceira indagação, que se relaciona a considerar os valores da Portaria preços máximos na licitação, a polêmica permanece.

Com efeito, o art. 2º da Portaria estabelece que "Os valores limites estabelecidos nesta Portaria consideram apenas as condições ordinárias de contratação, não incluindo necessidades excepcionais na execução do serviço que venham a representar custos adicionais para a contratação. Existindo tais condições, estas poderão ser incluídas nos preços das propostas, de modo que o seu valor final poderá ficar superior ao valor limite estabelecido. Entretanto, descontando-se o adicional, o valor proposto deve estar dentro do valor limite estabelecido, sob pena de desclassificação. Como se pode observar, os limites não são instransponíveis. Contudo, não está claro o que se pode considerar como "necessidades excepcionais na execução do serviço que venham a representar custos adicionais para a contratação".

Ao que me parece, a intenção, ainda que colocada, intencionalmente, de uma forma que permita interpretações restritivas, foi flexibilizar os limites para que seja possível, sempre que se verificar que a Portaria em vigor não representa os preços correntes em um determinado mercado, tomá-la, motivadamente, apenas como parâmetro, sem implicar em desclassificação de propostas - e, na mesma linha, sem vincular a prorrogação do ajuste à redução de valores aos patamares estabelecidos na norma. Não vejo como compreender diversamente, sob pena de se reconhecer a intervenção do Estado na atividade econômica de forma inconstitucional e arbitrária.

A despeito de qualquer crítica, é de fácil compreensão a normatização editada. É notória a dificuldade que a Administração Pública detem em realizar pesquisas de preços visando instruir suas licitações e orientar seus julgamentos. Tais dificuldades são de toda ordem, desde a pura falta de colaboração até a apresentação de orçamentos superfaturados ou excessivos, visando obter vantagem no futuro certame. Isso impõe concluir que o mercado está, hoje, amargando o resultado de suas próprias ações passadas, fazendo sofrer indistintamente os bons e os maus. Agora, para reverter esse quadro, cabe aos interessados do setor privado demonstrar a real impossibilidade de praticar os preços fixados, apontando cabalmente sua incompatibilidade com os custos vigentes.

Sugestão de solução para a questão do software robô...

Em discussão com alguns especialistas na matéria, foi cogitada como solução que os sistemas passassem a permitir que o licitante indicasse sua proposta inicial e também o seu menor lance, possibilitando, ainda, a opção por lances automáticos, ou seja, incorporando o software robô.
A idéia merece ser amadurecida. A Lei veda a fixação de preço mínimo pela Administração, mas nada obsta que o próprio licitante indique o mínimo que consegue praticar... Essa medida também não prejudicaria a competição, pois as condições do licitante em relação ao que pode oferecer não sofrem influência da disputa, sendo as mesmas do início ao fim da licitação. O efeito seria, então, assecuratório de uma maior responsabilidade em relação à oferta final.
Questão suscitada com pertinência foi referente ao sigilo das propostas. Embora o preço continuasse sigiloso para os demais concorrentes, não o seria para a Administração, a não ser que o sistema, de algum modo, apenas permitisse a verificação após o término da fase de lances. Assim, apenas o licitante saberia qual o limite indicado. Nessa vertente, é importante lembrar que um dos argumentos para o sigilo das propostas é evitar prejuízo à necessária objetividade que deve permear as decisões administrativas tomadas ao longo do processo.
Ainda, cabe considerar que a indicação, pelo licitante, do limite para o seu menor lance, embora minimize as chances de ocorrência, não afasta a possibilidade de que indique desde logo um preço inexequível, contando com uma possível desnecessidade de chegar nele.
Entretanto, parece claro que o melhor seria aperfeiçoar o sistema para incorporar os lances automáticos. Isso poderia ser feito, acredito, sem a necessidade de divulgação do lance mínimo, de modo que o licitante o programasse na sua interface do sistema e apenas para si. Após alcançá-lo, poderia livremente decidir em continuar reduzindo ou não, permanecendo com a Administração o dever de verificar a exequibilidade do lance final.