segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Cooperativas, licitação e Lei 12.690/12: ainda vige o Termo de Conciliação entre a União e o MTB?

Com a superveniência da Lei 12.690/12, novo Estatuto das Cooperativas, surgiram dúvidas quanto à licitude da vedação à participação, em licitações, de cooperativas prestadoras dos serviços listados pelo referido Termo de Conciliação Judicial como eminentemente subordinados, nos seguintes termos:

“a) A Lei 12.690/12 revogou tacitamente, total ou parcialmente, o Termo de Conciliação Judicial celebrado entre o MPT e a União?

b) O Termo de Conciliação Judicial foi recepcionado pela Lei 12.690/12?

c) A Lei 12.690/12 alterou, total ou parcialmente, a jurisprudência até então pacificada pela vedação da participação de cooperativas de trabalho em licitações públicas, nas condições já citadas? 

d) Os próximos editais de contratação de prestação de serviços, cujos objetos estão compreendidos na lista de atividades da Cláusula Primeira do Termo de Conciliação Judicial, devem vedar ou permitir a participação de cooperativas de trabalho?”

O presente tema guarda complexidade suficiente para afastar quaisquer considerações meramente objetivas. É fundamental analisa-lo tendo como pano de fundo a situação atual da terceirização no Brasil, incluindo o recente julgamento da ADI 16 pelo STF e a consagração da responsabilidade subsidiária da Administração Pública enquanto tomadora de serviços terceirizados envolvendo cessão de mão de obra exclusiva, resultante da nova redação da Súmula 331 do TST. É necessário, ainda, acompanhar a evolução legislativa no tocante à proteção e ao fomento das sociedades cooperativas, visando concretizar política pública para o seu desenvolvimento e atender as normas constitucionais. É imperioso, pois, uma avaliação sistemática e consoante a Constituição.

O grande problema que trouxe à tona a questão da contratação de cooperativas para serviços prestados mediante cessão de mão de obra exclusiva foi, sem dúvida, o das “falsas cooperativas”, empresas que meramente intermediavam uma mão de obra desqualificada, oferecendo sua força de trabalho como se fossem cooperados, mas na verdade se tratando de desempregados que se submetiam a condições insólitas como a ausência de qualquer contrato e o completo desrespeito aos direitos sociais. Tais empresas burlavam o fisco, beneficiando-se do tratamento tributário diferenciado, compareciam aos certames fazendo uso dos mesmos benefícios – discussão relacionada à “equiparação” de propostas, refutada pela maioria dos especialistas, salvo no tocante às obrigações previdenciárias da própria contratante, que devem ser computadas para aferição da real vantagem da proposta – e acarretavam, ao fim e ao cabo, para a Administração contratante, a culpa in eligendo. No contrato, a manutenção de “empregados” totalmente a descoberto resultava, por sua vez, na culpa in vigilando, na esteira da responsabilização subsidiária professada e declarada pelo TST. Essa era, portanto, uma forma de terceirização ilícita dos serviços.

O fato de tratar-se de falsa cooperativa levava a empresa à condição de mera intermediadora de mão de obra. Sabemos, contudo, que a ilicitude da terceirização não necessariamente decorre da constatação de uma falsa cooperativa, podendo configurar-se no caso de outras sociedades que não mantenham registro de funcionários, não especializem sua força de trabalho e não ofereçam, de fato, uma atividade de prestação de serviço, mas a mão de obra, pura e simplesmente.
Nessa linha, é necessário assentar que a intermediação de mão de obra subordinada é uma atividade condenada por consistir na captação e no “fornecimento” do trabalhador desqualificado (ou “não especializado”) para que se integre à rotina do tomador do serviço, sem oferecer a ele a segurança de um vínculo empregatício, o qual inexistirá, também, ab initio, junto ao tomador do serviço. Intermediação de mão de obra subordinada, portanto, é sinônimo de ilicitude.

Já não se pode dizer o mesmo de empresas que oferecem os serviços prestados por empregados devidamente treinados, especializados e registrados – a cessão ou locação de mão de obra especializada. Ou de cooperativas que oferecem sua força de trabalho por meio de trabalhadores verdadeiramente cooperados – as “genuínas cooperativas”, expressão utilizada no Termo de Cooperação celebrado entre o MPT e a União. Ao mesmo tempo em que, naquele caso, não se cogita da ilicitude da terceirização, porque não há mera intermediação, neste, pouco importa a natureza dos serviços, desde que as características do cooperativismo estejam presentes. Então, teoricamente, não será ilegal a cooperativa que prestar serviço de limpeza, por exemplo, desde que sejam observadas as tais características, devidamente elencadas na Lei 12.690/12, não estando, por essa razão, caracterizada a mera intermediação de mão de obra subordinada. É o que se extrai dos seguintes dispositivos, colacionados em ordem diversa para melhor compreensão:
Art. 2º  Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.

Art. 10. A Cooperativa de Trabalho poderá adotar por objeto social qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, desde que previsto no seu Estatuto Social.

Art. 5º  A Cooperativa de Trabalho não pode ser utilizada para intermediação de mão de obra subordinada.

Art. 17. Omissis

§ 1º  A Cooperativa de Trabalho que intermediar mão de obra subordinada e os contratantes de seus serviços estarão sujeitos à multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por trabalhador prejudicado, dobrada na reincidência, a ser revertida em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.

§ 2º  Presumir-se-á intermediação de mão de obra subordinada a relação contratual estabelecida entre a empresa contratante e as Cooperativas de Trabalho que não cumprirem o disposto no § 6o do art. 7o desta Lei.

 Art. 7º. omissis

§ 6º  As atividades identificadas com o objeto social da Cooperativa de Trabalho prevista no inciso II do caput do art. 4o desta Lei, quando prestadas fora do estabelecimento da cooperativa, deverão ser submetidas a uma coordenação com mandato nunca superior a 1 (um) ano ou ao prazo estipulado para a realização dessas atividades, eleita em reunião específica pelos sócios que se disponham a realizá-las, em que serão expostos os requisitos para sua consecução, os valores contratados e a retribuição pecuniária de cada sócio partícipe. (Sem grifos no original)

Na oportunidade do Termo de Conciliação, que já vai longe, pensa-se que a premissa tenha sido uma eventual impossibilidade legal de constituir cooperativas para a prestação de serviços “cujo labor, por sua própria natureza, demandarem execução em estado de subordinação”, partindo do pressuposto de que tais serviços não representariam um “meio de produção” próprio, suficiente para tornar-se objeto social de uma cooperativa, pois sempre seriam executados individualmente a terceiros (vide Cláusula Segunda do Termo de Conciliação). E, por não haver, no regime da Lei 5.764/71 que fizesse referência, direta, indireta, explícita ou implícita, a tal situação, existia espaço para a criação de uma regra com o objetivo de proteger os trabalhadores e os cofres públicos, diante da aparente lacuna da lei de regência. Desse modo, eliminava-se o mal antes mesmo que ele pudesse vingar: evitar a contratação frearia as ações das “falsas cooperativas” e reduziria a possibilidade de responsabilização trabalhista da Administração Pública.

Contudo, não parece haver dúvida quanto à modificação da ordem jurídica expressa, conforme disposições acima transcritas. Verifica-se, aliás, que a Lei 12.690/12 regulamentou a atuação das cooperativas de trabalho de forma bastante completa quando garantiu aos sócios direitos similares aos dos empregados regidos pela CLT e tornando tal forma de cooperação bastante similar ao próprio vínculo empregatício quanto aos benefícios gerados:

Art. 7º  A Cooperativa de Trabalho deve garantir aos sócios os seguintes direitos, além de outros que a Assembleia Geral venha a instituir:

I - retiradas não inferiores ao piso da categoria profissional e, na ausência deste, não inferiores ao salário mínimo, calculadas de forma proporcional às horas trabalhadas ou às atividades desenvolvidas;

II - duração do trabalho normal não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais, exceto quando a atividade, por sua natureza, demandar a prestação de trabalho por meio de plantões ou escalas, facultada a compensação de horários;

III - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

IV - repouso anual remunerado;

V - retirada para o trabalho noturno superior à do diurno;

VI - adicional sobre a retirada para as atividades insalubres ou perigosas;

VII - seguro de acidente de trabalho. (Sem grifos no original)

Equiparados, em sua maioria, os direitos dos cooperados aos direitos dos trabalhadores, a burla anteriormente praticada perderá, a rigor, seu objetivo. E as vantagens da constituição de uma cooperativa de trabalho serão inegáveis para os trabalhadores, especialmente aquela parcela menos valorizada e que costuma permanecer as margens da sociedade executando “atividades subalternas”, “materiais”, “acessórias”, normalmente remuneradas com o salário mínimo normativo ou nacional.

Frente a tais constatações, não é crível supor que a Lei em comento tenha vindo a lume alheia à atual crise da terceirização no serviço público e para promover mudanças nas práticas que vinham sendo adotadas. Some-se a ela o anterior julgamento da ADI 16 pelo STF e a consequente reformulação da Súmula 331 pelo TST, diretamente relacionadas ao tema, provavelmente propulsores da aprovação do projeto de lei que tramitava no Congresso desde 2006. O reconhecimento da constitucionalidade do §1º do art. 71 da Lei 8.666, que a princípio gerou a sensação de queda da referida Súmula, apenas consolidou a responsabilização subsidiária trabalhista, pois, apesar de permanecerem as discordâncias no meio acadêmico, não mais sobrevivem dúvidas sobre o assunto. É de clareza solar a prevalência da proteção do trabalhador e de seus direitos fundamentais sobre a proteção do erário e do interesse público. Aliás, a rigor, segue-se na linha de prioridades estabelecida pela própria Constituição da República, a despeito de todas as críticas que possam ser tecidas pelos adeptos da impossibilidade de responsabilização da Administração Pública. Nesse sentido, a exposição de motivos do referido Projeto de Lei, de nº 7009/2006, é reveladora:

"3. A Constituição da República Federativa do Brasil determina, no § 2 º do artigo 174, que a lei apóie e estimule o cooperativismo e outras formas de associativismo, ficando claro que as cooperativas revelam-se como um instrumento de desenvolvimento local e regional que permite o estabelecimento de formas democráticas no espaço da produção e, por isso, devem ser aprendidas como um valioso recurso no processo de construção da cidadania.

4. Desde a publicação da Lei nº 8.949/94, porém, sérias ameaças ao cooperativismo e aos direitos trabalhistas materializaram-se por meio da criação de cooperativas que, no processo de terceirização largamente instalado nas empresas brasileiras, vêm substituindo postos formais de emprego e inserindo trabalhadores subordinados no mercado de trabalho, tolhendo-lhes, todavia, o acesso aos direitos sociais. É a mercancia da mão-de-obra que não cria oportunidades novas, mas, ao contrário, torna precários os postos de emprego, de forma nunca vista em nosso país.

5. A par da necessidade de se regulamentar adequadamente o fenômeno de terceirização nas empresas, faz-se, premente, o regramento do cooperativismo de trabalho que, como se sabe, está na própria raiz das virtudes e dos problemas acima apontados.

6. A presente proposta visa a coibir as fraudes, vedando, terminantemente, a intermediação de mão-de-obra sob o subterfúgio das cooperativas de trabalho. Esta prática abusiva vem se revelando como meio degradante de prestação de trabalho, uma vez que o trabalhador presta serviços em condições próprias de emprego, privado dos direitos reconhecidos pela Constituição Federal e pela legislação trabalhista.

7. Estas cooperativas de intermediação de mão-de-obra apresentam mera aparência de cooperativas, uma vez, não obstante formalizem-se como tal, obedecendo aos requisitos legais para tanto, substancialmente não o são, pois o trabalhador “cooperado” que presta serviços pessoais e subordinados a terceiros, nada mais é, senão empregado. Sua força de trabalho transfere lucro aos tomadores, o que é compatível com o vínculo de emprego, mas não com o cooperativismo. Trata-se, portanto, de emprego precário, porque não protegido pelos direitos sociais que lhe seriam inerentes. (Sem grifos no original.)

Assim, a Lei 12.690/12, que autoriza o funcionamento de cooperativas tendo quaisquer serviços como objeto social, estabelece regras a serem observadas para garantir o respeito aos trabalhadores e ao instituto do cooperativismo, especialmente em situações com potencial para burlarem esse sistema e à CLT, como é o caso dos serviços eminentemente subordinados. Nota-se, especialmente, que a nova sistemática do trabalho mediante a coordenação prevista no §6º do art. 7º da Lei 12.690/12 tem o propósito de caracterizar a cooperativa e eliminar eventual possibilidade de subordinação ao terceiro tomador do serviço. O coordenador dos cooperados está para os serviços prestados pela cooperativa assim como o preposto (art. 68 da Lei 8.666), para os empregados das empresas locadoras de mão de obra especializada, mas sem hierarquia.

Seria, então, razoável posicionar-se nos moldes do Parágrafo Primeiro da Cláusula Terceira do Termo de Conciliação, que determina que “É lícita a contratação de genuínas sociedades cooperativas desde que os serviços licitados não estejam incluídos no rol inserido nas alíneas "a" a "r" da Cláusula Primeira...”, sendo que a própria Lei 12.690/12 é clara ao afirmar que qualquer serviço pode ser prestado pela cooperativa, desde que conste de seu objeto social e que, sendo prestados em regime de coordenação, não caracterizem intermediação de mão de obra subordinada?

Seria adequado, diante disso, manter o entendimento de que tais cooperativas, quando prestadoras dos serviços arrolados nas alíneas “a” a “r” da Cláusula Primeira, “não são detentoras de qualquer meio de produção” - o qual, data venia, contribui para a manutenção da difícil realidade desses trabalhadores, cuja força de trabalho “inferior” não é devidamente valorizada, ao mesmo tempo em que, pasmem, pode ser considerada essencial para possibilitar a prorrogação de contratos ditos de natureza continuada?

Seria compatível com o novo prisma normativo permanecer afirmando que tais serviços jamais “serão prestados em caráter coletivo e com absoluta autonomia dos cooperados, seja em relação às cooperativas, seja em relação ao tomador dos serviços”, razão pela qual remanesceria obstada a participação de cooperativas nas respectivas licitações?

Ademais disso, não é possível observar o Capítulo IV da Lei 12.690/12 – Do Programa Nacional do Fomento às Cooperativas de Trabalho – PRONACOOP, com “a finalidade de promover o desenvolvimento e a melhoria do desempenho econômico e social da Cooperativa de Trabalho”, e continuar afirmando que o Poder Público não contratará tais cooperativas. Ou melhor, que o Poder Público não participará, com suas contratações, dessa política pública, obrando como verdadeiro sabotador de sua efetivação em nome da proteção ao erário, mesmo existindo, atualmente, elementos concretos que assegurem a contratação de verdadeiras cooperativas de trabalho e de mecanismos estabelecidos por norma vigente e cogente - leia-se: Instrução Normativa 02/08 e alterações – considerados aptos a afastar a responsabilização trabalhista. A legislação nacional vem evoluindo para conferir benefícios às cooperativas nas licitações públicas, atendendo ao princípio constitucional da proteção e estímulo ao cooperativismo, não havendo qualquer razão para recusá-los às cooperativas de trabalho licitamente constituídas e em regular funcionamento, seja qual for o seu objeto.

Para finalizar, são mais do que oportunas as considerações tecidas pelo Ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, as quais pede-se vênia para colacionar em trecho extenso. O autor critica severamente o Termo de Conciliação celebrado entre o MPT e a União e destaca as cooperativas de serviços como sendo fundamentais à melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Afirma, com a propriedade de quem domina o assunto, que a contratação dessas cooperativas pelo setor público não só é possível, como devida. Seguem suas palavras:

"O parágrafo único do art. 442 da CLT, introduzido pela Lei 8.949/94, que salvaguardava o genuíno espírito cooperativo, acabou, no entanto, no Brasil, a gerar o fenômeno das falsas cooperativas de trabalho, criadas pelos empregadores para furtar-se ao pagamento dos direitos trabalhistas. Como procurador do trabalho, instaurei vários inquéritos contra cooperativas de trabalho no setor médico, em que hospitais aliciavam médicos para subscreverem estatutos de criação de cooperativa médica e depois obrigavam plantonistas a se filiarem à cooperativa, sob pena de serem dispensados dos plantões.

Justamente por vivenciar essa triste realidade é que, vindo a integrar o TST como ministro, e sendo designado pela Corte para representá-la como observador na 90ª Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, não pude deixar de apresentar, na Comissão sobre Cooperativas de Trabalho, os problemas que enfrentávamos no Brasil com as cooperativas de fachada, espe­cialmente no meio rural (o intermediador denominado “gato” alicia trabalhadores em várias regiões, formando uma cooperativa fictícia e levando-os às fazendas em época de colheita, com o que deixam esses trabalhadores de receber todos os seus direitos trabalhistas). Com isso, incluiu-se no texto da Recomendação 193 da OIT, sobre cooperativas de trabalho, dispositivo por nós sugerido, coibindo a prática.

Se, por um lado, o problema das “pseudocooperativas” foi enfrentado e disciplinado, por outro, o que pudemos verificar no contato com representantes de todos os países integrantes da OIT é o caráter altamente positivo do cooperativismo de trabalho, como elemento de estímulo à empregabilidade e de autonomia laborativa do cidadão. Tanto que a referida recomendação teve o cuidado de incluir dispositivo que cuida do tratamento isonômico entre empresas e cooperativas de trabalho nas relações com o Poder Público.

Justamente por isso, causa espécie o termo de conciliação judicial imposto pelo Ministério Público do Trabalho à União, para que não admitisse em licitações de serviços cooperativas de trabalho. O termo de ajuste de trabalho, a par de inconstitucional, já que vai de encontro aos arts. 5º, XVIII, e 174, § 2º, da Constituição Federal, atenta contra a própria normativa internacional, alijando cooperativas e seus associados do mercado de trabalho ofertado pelo setor público. Com efeito, a Carta Política, além de colocar como missão do Estado estimular e apoiar o cooperativismo, impede a intervenção estatal no funcionamento das cooperativas.

O termo de conciliação representa intervenção indevida na própria sobrevivência das cooperativas, desestímulo à sua atuação, a par de atentar flagrantemente contra um dos pilares do devido processo legal, que é a garantia do contraditório, uma vez que o termo foi tomado em processo ajuizado contra a União, sem defesa das cooperativas atingidas ou do ente confederativo que as congrega, em matéria que as afeta diretamente!

Não se argumente que a prestação de serviços como objeto de cooperativa refoge da autorização legal, pois esta é ampla, ao tratar do “proveito comum” que a atividade econômica desenvolvida pela cooperativa pode gerar. Com efeito, se, em sua origem, as cooperativas eram exclusivamente de produção, o desenvolvimento do cooperativismo em âmbito mundial mostrou todas as potencialidades do fenômeno, inclusive o do cooperativismo de trabalho. Neste, o proveito comum auferido pelos associados é justamente a oferta de trabalho e a inserção no mercado dos trabalhadores que, unindo suas forças, oferecem a terceiros os seus serviços, sem uma empresa intermediária, mas com os próprios associados gerindo o seu negócio, sob a forma de cooperativa.

Descartar a priori a possibilidade de cooperativa de trabalho prestar serviços no setor público é tomar as exceções irregulares como regra e estrangular iniciativa que, bem encaminhada, atende adequadamente tanto a administração pública quanto os trabalhadores. Nesse sentido, é digno de nota o fato de ser o Prof. Paul Singer, insigne economista e atual Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e do Emprego, um dos maiores defensores das cooperativas de trabalho como instrumento de assunção da atividade produtiva pelos próprios trabalhadores, ofertando à comunidade os bens e serviços que desenvolvem.

Mantive muitas conversas com o Prof. Paul Singer, discutindo o tema e buscando fórmulas de viabilizar tais cooperativas, a par de combater eficazmente as falsas cooperativas. Tive, inclusive, a oportunidade de visitar, após Seminário sobre o tema, uma genuína cooperativa de trabalho do setor de limpeza pública, a COOTRAVIPA, criada pelos moradores das vilas da zona sul de Porto Alegre para viabilizar seu acesso ao mercado de trabalho formal e aos serviços de saúde, pelo ingresso na Previdência Social. Convivendo e almoçando com os associados, para sentir diretamente como se organizavam e trabalhavam esses cooperados, cheguei à seguinte conclusão: se o cooperativismo de trabalho sobreviver à sanha desconstrutiva do Ministério Público, deverá muito ao Rio Grande do Sul e a iniciativas genuínas como à da COOTRAVIPA, em defesa de um modelo que, depurado dos defeitos inerentes a qualquer obra humana, é de fantástica eficácia para a promoção social.

 ...

Para dar pleno foro de cidadania às cooperativas de trabalho, de modo a que não sofram a discriminação de que hoje são objeto, mister se faz que seja aprovado o projeto de lei que ora tramita no Congresso Nacional e que garante aos trabalhadores cooperados os mesmos direitos trabalhistas do art. 7º da Constituição Federal. A rigor, se são trabalhadores, é óbvio que gozam desses direitos. Mas a explicitação não é demais para cessar o litígio. A partir dessa concepção, não haverá motivo para a criação de cooperativas de fachada, já que a redução de custos não será possível, sob o prisma salarial.

Nesse sentido, entendo perfeitamente possível a constituição e contratação de cooperativas de trabalho, quer no setor público, quer no setor privado, para a prestação de serviços ou locação de mão de obra, desde que observados os demais parâmetros aplicáveis às empresas terceirizadas que atuam no mesmo setor. (Sem grifos no original.) (Revista Consultor Jurídico, 26 de outubro de 2011.)

Sendo assim, agora mais do que antes, não é lícito obstar a participação de cooperativas em licitações quando presentes os pressupostos do cooperativismo e atendidas as demais condições identificadas pela Lei 12.690/12, especialmente as destinadas a afastar a caracterização da mera intermediação de mão de obra subordinada."

Diante do exposto, os questionamentos formulados devem ser respondidos nos seguintes termos: 

"a) A Lei 12.690/12 revogou tacitamente, total ou parcialmente, o Termo de Conciliação Judicial celebrado entre o MPT e a União?”

Diante da Lei 12.690/12, o Termo de Conciliação celebrado entre o MPT e a União em 2003 não pode prevalecer em sua integralidade. Permanece o compromisso da Administração Pública de ser diligente e não contratar falsas cooperativas, meras “intermediadoras de mão de obra subordinada”, muito embora se mostre impreciso ao denominar esta atividade ilícita de “cessão de mão de obra”, expressão usada, a rigor, para designar atividade lícita relacionada à prestação de serviço especializado.

Contudo, o referido Termo obsta, absolutamente, a participação em licitação e posterior contratação com “genuínas cooperativas” para os serviços listados nas alíneas “a” a “r” da sua Cláusula Primeira, o que, conforme acima demonstrado, não pode subsistir diante da nova ordem jurídica. 

“b) O Termo de Conciliação Judicial foi recepcionado pela Lei 12.690/12?”

Não integralmente, conforme resposta ao questionamento anterior.

“c) A Lei 12.690/12 alterou, total ou parcialmente, a jurisprudência até então pacificada pela vedação da participação de cooperativas de trabalho em licitações públicas, nas condições já citadas?”

Não há como falar em alteração de jurisprudência, que é formada por reiteradas manifestações de um tribunal num mesmo sentido, num determinado espaço de tempo. A jurisprudência decorrente remanesce como um arcabouço de posicionamentos tomados sob os auspícios de um ordenamento jurídico diferente. Poderá começar a ser modificada doravante, considerando a nova Lei 12.690/12.

"d) Os próximos editais de contratação de prestação de serviços, cujos objetos estão compreendidos na lista de atividades da Cláusula Primeira do Termo de Conciliação Judicial, devem vedar ou permitir a participação de cooperativas de trabalho?”

Durante a vigência da Lei 12.690/12, os editais não poderão vedar a participação de cooperativas de trabalho em licitações para contratar serviços com cessão de mão de obra, inclusive intensiva e com dedicação exclusiva, que comprovem serem “genuínas cooperativas” e atendam às condições estabelecidas pela referida Lei. A Administração, nas licitações, deverá certificar-se quanto à regularidade de tais sociedades e também da relação mantida com seus cooperados, seguindo, a priori, para o momento, as orientações da IN 02/08 – cujo texto, aliás, não contradiz a referida Lei -, além de exigir a prestação do serviço de forma coordenada, nos termos do art. 7º, §6º do novo Estatuto das Cooperativas.