3 As novas regras para a adesão ou “carona”
A
grande mudança se operou no âmbito das regras para adesão ou “carona” de órgãos
e entidades que não participaram do SRP. A expectativa de modificações na
sistemática anterior existia concretamente diante das manifestações reiteradas
do Tribunal de Contas da União acerca da ilegalidade da prática que vinha sendo
adotada. O Acórdão nº 1.233/2012 do TCU determinou que, “em atenção ao
princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º,
caput), devem gerenciar a ata de forma
que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata
não supere o quantitativo máximo previsto no edital". O Acórdão nº
2.962/2012, prolatado na sequência, complementou no sentido de “recomendar ao
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que empreenda estudos para aprimorar a sistemática do Sistema de
Registro de Preços, objetivando capturar ganhos de escala nas quantidades
adicionais decorrentes de adesões previamente planejadas e registradas de
outros órgãos e entidades que possam participar do certame, cujos limites de
quantitativos deverão estar em conformidade com o entendimento firmado pelo
Acórdão 1.233/2012 – Plenário”.
Segundo
as disposições do novo Decreto nos arts. 22 e seguintes, a adesão da ata por
órgãos não participantes ocorrerá nos seguintes termos:
- Mediante
previsão em edital, decorrente de critérios de conveniência e oportunidade,
inclusive indicando-se a estimativa de quantidades a serem adquiridas pelos
órgãos não participantes (inc. III do art. 9º), além das quantidades estimadas
para os órgãos gerenciador e participantes;
- Mediante
justificativa da vantagem econômica, o que deverá ocorrer nos autos do processo
que tramita no órgão não participante, não cabendo, absolutamente, ao órgão
gerenciador proceder qualquer avaliação nesse sentido;
-
Mediante consulta prévia ao órgão gerenciador, que se manifestará sobre a
possibilidade de adesão. A análise realizada pelo órgão gerenciador diante do
pedido do órgão não participante deverá levar em conta unicamente as condições
de uso do SRP pelos órgãos participantes e o eventual prejuízo que a adesão
poderia causar a estes;
- Restringir-se,
por órgão ou entidade “carona”, a cem por cento dos quantitativos dos itens do edital, registrados na ata;
- Restringir-se,
na totalidade, ao quíntuplo (ou seja, o produto do número multiplicado por 5)
do quantitativo de cada item registrado;
- Ocorrer
após a primeira aquisição por um órgão participante, salvo quando não houver
previsão para tanto no edital;
- Ocorrer
dentro de noventa dias e dentro do prazo de vigência da ata;
- Para
os órgãos federais não participantes, restringir-se às atas federais.
Uma
questão preliminar merece atenção, antes de adentrarmos na discussão sobre limites
quantitativos para a adesão. Para os fins da licitação e do edital, itens são
componentes de um lote ou, não havendo lote, cada qual um objeto íntegro, com
disputa individualizada. Itens registrados na ata são os objetos cujos preços
tenham sido registrados. Podem ter sido licitados por itens ou lotes. Seriam, para
os fins da adesão, “itens do edital” e “itens registrados na ata” expressões
sinônimas? Essa definição é primordial para começar a compreender os comandos
dos §§ 3º e 4º do art. 22, indicados acima no segundo e no terceiro tópico.
Quando
se realiza uma licitação por lotes, os itens correspondentes a cada lote devem
ser cotados conjuntamente. A rigor, o que contará para o julgamento das
propostas será o valor global do lote. O decreto anterior previa e o novo
continua prevendo expressamente essa possibilidade para a licitação de SRP. Na
ata, os itens componentes do lote são registrados com os respectivos valores
unitário e global. Diferentemente da licitação normal, em que o lote será
adquirido de uma vez, os itens registrados, que compuseram o lote na licitação,
poderão ser adquiridos isoladamente, conforme a necessidade da Administração.
Desse modo, a resposta para a indagação acima é positiva, independentemente de
a licitação ter sido realizada por lotes ou itens. Itens registrados na ata são
os itens do edital, quer tenham ou não sido agrupados em lotes para os fins da
licitação. Em suma: a ata não comporta o registro do valor global do lote, mas
apenas dos itens que correspondem aos objetos licitados, por isso o limite para
as adesões – 100% ou o quíntuplo – será em razão dos quantitativos dos itens
registrados.
Isto
posto, passemos às duas regras fixadas pelos §§3º e 4º do Decreto nº
7.892/2012, referentes aos limites à adesão por órgãos não participantes:
a)
não exceder, por órgão ou entidade “carona”, a cem por cento dos quantitativos
dos itens do edital, registrados na ata para o órgão gerenciador e para os
órgãos participantes. Um mesmo “carona” não poderá adquirir mais do que o
próprio órgão gerenciador e os órgãos participantes, por item. A regra é
praticamente igual à do decreto anterior: “as aquisições ou contratações
adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou
entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de
Preços”. Agora, ao invés de 100% dos quantitativos totais, serão 100% dos
quantitativos de cada item registrado. O limite, então, é por item. Mas, se um
órgão aderir em 100% todos os itens registrados, o efeito será o mesmo;
b)
não exceder, na totalidade, ao quíntuplo (ou seja, o produto do número
multiplicado por 5) do quantitativo de cada item registrado para o órgão
gerenciador e para os órgãos participantes. A soma de todas as adesões não
poderá ser superior a cinco vezes o quantitativo de cada item. Essa regra evita
que seja realizado um número ilimitado de contratações com um mesmo particular,
decorrente de uma única licitação para SRP e em montantes que exorbitam
absurdamente as previsões do edital.
Imaginemos,
então, uma ata de registro de preços contendo 2 itens:
|
Total (unidades)
|
Órgão
gerenciador
|
Órgãos
participantes
|
Item 1
|
500
|
100
|
400
|
Item 2
|
1.200
|
350
|
850
|
Carona 1
|
100% item 1
|
500 unidades
|
Carona 2
|
100% item 1
100% item 2
|
500 unidades
1.200 unidades
|
Carona 3
|
100% item 2
|
1.200 unidades
|
Primeira regra: não exceder, por órgão
ou entidade “carona”, o total individual dos itens registrados para o órgão
gerenciador e os órgãos participantes – ATENDIDA.
Segunda regra: não exceder, no
somatório de todas as “caronas”, o quíntuplo do quantitativo individual dos
itens registrados para o órgão gerenciador e os órgãos participantes – ATENDIDA
(500 X 5 = 2.500; 1.200 X 5 = 6.000)
Carona 4
|
100% item 1
100% item 2
|
500 unidades
1.200 unidades
|
Carona 5
|
100% item 2
|
1.200 unidades
|
Carona 6
|
100% item 2
|
1.200 unidades
|
Carona 7
|
100% item 1
100% item 2
|
500 unidades
1.200 unidades
|
Primeira regra: não exceder, por órgão ou
entidade “carona”, o total individual dos itens registrados para o órgão
gerenciador e os órgãos participantes – ATENDIDA.
Segunda regra: não exceder, no
somatório de todas as “caronas”, o quíntuplo do quantitativo individual dos
itens registrados para o órgão gerenciador e os órgãos participantes – ATENDIDA
EM RELAÇÃO AO ITEM 1 (500 x 4 = 2.000); NÃO ATENDIDA EM RELAÇÃO AO ITEM 2
(1.200 X 6 = 7.200).
Nessa
hipótese, seria possível mais uma adesão ao item 1, mas a sétima adesão ao item
2 não poderia ter sido realizada.
Em
linhas gerais, o que se conclui:
a)
Ainda é possível que os órgãos não participantes
contratem 100% dos quantitativos totais registrados em ata;
b)
Essa possibilidade deixará de existir com o alcance
do limite estabelecido pelo §4º, ou seja, quando o somatório de todas as
adesões realizadas até um determinado momento atingirem o quíntuplo do
quantitativo do item correspondente;
c)
Serão beneficiados os primeiros órgãos não
participantes que solicitarem a adesão, já que o limite do quíntuplo é reduzido
na medida em que aumentam as contratações adicionais;
d)
Não há limite estabelecido em razão dos
quantitativos totais registrados em ata, mas apenas em razão de cada item
registrado.
Não
havendo limite estabelecido em razão dos quantitativos totais, não caberá falar
em “sobra” ou “compensação” de quantitativos. Assim:
Supondo:
Carona 1
|
80% item 1
|
400 unidades
|
Carona 2
|
100% item 1
100% item 2
|
500 unidades
1200 unidades
|
Carona 3
|
50% item 2
|
600 unidades
|
Não
seria possível:
Carona 1
|
80% item 1
|
400 unidades
|
Carona 2
|
120% item 1
150% item 2
|
900 unidades
1.800 unidades
|
Carona 3
|
50% item 2
|
600 unidades
|
Por
fim, cabe apontar que o limite individual é por órgão ou entidade não
participante e não para cada adesão por ele realizada. Assim, tomando-se
novamente a hipótese acima, se o Carona 3 aderiu primeiramente a 50% do item 2
e, posteriormente, pretenda nova adesão ao mesmo item, somente lhe restarão os
outros 50%.
3.1 Novas regras X determinações do TCU
Isto
posto, é possível avaliar se as novas regras atendem às determinações do TCU
realizadas nos Acórdãos nº 1.233/2013 e nº 2.962/2013, para que:
a)
A ata fosse gerenciada de forma que a soma dos
quantitativos contratados em todos os contratos derivados não superasse o
quantitativo máximo previsto no edital para aquisição pelo SRP;
b)
Fosse aprimorada a sistemática do SRP, para
possibilitar ganhos de escala nas quantidades adicionais decorrentes de adesões
previamente planejadas e registradas de outros órgãos e entidades que possam
participar do certame, sem superar o quantitativo máximo para aquisição peço
SRP, previsto no edital.
Em
relação à primeira determinação, a compreensão é a de que apenas houvesse a
adesão na hipótese de não utilização, pelos órgãos ou entidades participantes,
da totalidade do quantitativo inicialmente previsto. Não é o que acontecerá
doravante, com a nova sistemática acima descrita, pois, conforme já
demonstrado, permanece a possibilidade de que um único órgão – salvo restrição
expressa no edital – possa aderir em 100% um único item. Contudo, resolve a
preocupação externada no Acórdão 1.487/2007-TCU Plenário, fundada na violação
de princípios constitucionais e legais mediante a utilização ilimitada da ata.
Em relação
à segunda determinação, não é possível detectar no novo texto regra que a
atenda. Ao que nos parece, a economia de escala obtida por meio de adesões
seria possível se:
a) fosse possível
identificar o quantitativo de adesões futuras, de modo que os licitantes
pudessem considera-las em sua proposta;
b) a
aquisição de quantitativos por meio de adesões implicasse em redução do valor
do quantitativo remanescente.
Contudo, não há lógica na hipótese suscitada
na letra “a”. Se houver a possibilidade de identificar previamente a adesão,
não haverá razão para que ela aconteça, mas, sim, para que ela seja substituída
pela participação no SRP. De outro lado, impor ao detentor do preço registrado
a redução gradativa do valor do quantitativo remanescente, nos termos da letra
“b”, traria para a os órgãos e entidades participantes, pena de quebra da boa
fé, o compromisso de aquisição futura, a qual, conforme orientação majoritária
da doutrina e jurisprudência, não existe. Logo, salvo melhor avaliação, não é,
a rigor, viável o atendimento da determinação contida no Acórdão nº 2.962/2012
do TCU.
3.2
Uma crítica às novas regras de adesão
Ainda
teremos a oportunidade de verificar, na prática, se a solução adotada pelo novo
Decreto foi apropriada. Outra poderia ser vislumbrada, a exemplo da utilização,
por analogia, do percentual de 25% previstos pela Lei nº 8.666/93 para as
alterações dos contratos administrativos. Estabelecê-lo como limite sobre o
montante registrado ou sobre o total dos itens seria menos complexo e mais
consentâneo com as normas que regem as contratações públicas. Não há dúvida de
que essa solução foi cogitada, tendo sido descartada por ser mais restritiva.
De
qualquer forma, para aqueles que defendem a adesão ou “carona”, título que
acabou recebendo uma conotação pejorativa diante dos efeitos nefastos causados
pelas próprias regras que a instituíram, e para aqueles que a utilizam de forma
lícita, não abusiva, a solução é válida e possui méritos especiais por
proporcionar um resgate da legalidade e da moralidade.
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