sábado, 2 de fevereiro de 2013

STJ - Multa de mora cumulada com perdas e danos

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça exarou decisão no sentido de que a parte lesada pelo descumprimento de um contrato poderá executar a multa de mora e, também, exigir indenização por perdas e danos: 

“DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO PARCIAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. MORA. CLÁUSULA PENAL. PERDAS E DANOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1. A obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pre-fixação (sic) das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune a mora.

2. Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere na responsabilidade civil decorrente do retardo no cumprimento da obrigação que já deflui naturalmente do próprio sistema.

3. O promitente comprador, em caso de atraso na entrega do imóvel adquirido pode pleitear, por isso, além da multa moratória expressamente estabelecida no contrato, também o cumprimento, mesmo que tardio da obrigação e ainda a indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora da promitente vendedora.

4. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp nº 1.355.554 - Rel. Min. Sidnei Beneti)

A questão interessa também aos contratos administrativos, já que, constantemente, nos valemos da aplicação supletiva do Direito Privado para solucionar impasses decorrentes dos ajustes firmados pela Administração Pública.

Vejamos alguns excertos do Voto do Ministro Relator:

“17. A questão que se coloca é se o credor também estará autorizado a exigir (além da prestação tardia e da multa) as perdas e danos decorrentes da mora.

18. Dentro do nosso sistema, a obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pré-fixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune o retardamento no cumprimento da obrigação.

19. Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere com a responsabilidade civil correlata que já deflui naturalmente do próprio sistema.

20. Concede-se ao credor, nesses casos, a faculdade de requerer, cumulativamente: a) o cumprimento da obrigação, b) a multa contratualmente estipulada e ainda c) indenização correspondente às perdas e danos decorrentes da mora.”

Caso concreto: um casal, prejudicado com o atraso na entrega de seu apartamento, requereu da construtora Gafisa multa moratória estabelecida no contrato e uma indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora. O imóvel seria entregue até 1/9/08, mas em razão de atraso na conclusão da obra, foi entregue no dia 26/11/09. Os compradores ajuizaram ação buscando indenização pelos lucros cessantes correspondentes ao valor estimado do aluguel do imóvel, já que o bem teria sido adquirido para essa finalidade. Ajuizaram nova ação pedindo a condenação da empresa ao pagamento da multa contratual moratória. Ambos os pedidos foram julgados procedentes. 

A cláusula penal é um pacto acessório mediante o qual as partes contratantes estipulam previamente uma pena, pecuniária ou não, contra a parte que descumprir culposamente a obrigação, seja por inexecução ou atraso, prefixando o valor das perdas e danos e assegurando o cumprimento exato da obrigação principal. Segundo Limongi França, sua "finalidade precípua é garantir, alternativa ou cumulativamente, conforme o caso, em benefício do credor ou de outrem, o fiel cumprimento da obrigação principal, bem assim, ordinariamente, constituir-se na pré-avaliação das perdas e danos e em punição do devedor inadimplente." (FRANÇA, R. L. Teoria e prática da cláusula penal. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 7). O Código Civil regula a matéria no art. 408 e seguintes. Quando pune o inadimplemento - cláusula penal “compensatória” - deve suprir as consequências deste, cabendo ao credor uma dentre duas opções: a) o adimplemento forçado da obrigação originalmente convencionada e b) a pena estabelecida em seu favor. Já a cláusula penal moratória não afasta a execução da obrigação principal. Ou seja, pressupõe o adimplemento posterior, referindo-se às perdas e danos decorrentes do atraso. Assim, com a devida vênia e respeito, não há que se falar em cobrança da multa moratória cumulada com perdas e danos. Parece não haver dúvida diante do art. 411 do CCB, que estabelece: “Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora... terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.” Ora, se a pena é cláusula penal e se esta equivale à pré-avaliação de perdas e danos, não cabe o pleito de indenização para além da aplicação da multa.

O ilustre Min. Relator, em seu voto, valeu-se da doutrina de Caio Mário da Silva Pereira, eminente jurista do Direito Civil que afirma haver “uma conjugação de pedidos que o credor pode formular, nesse caso: o cumprimento da obrigação principal que não for satisfeita oportunamente, e a penal moratória, devida como punição ao devedor, e indenização ao credor pelo retardamento oriundo da falta daquele. Temo pela ousadia em discordar daquele que me proporcionou as primeiras lições de Direito Civil, mas o faço, a título de reflexão. No contrato privado não há, absolutamente, o poder de uma parte “punir” a outra. A multa não tem um caráter punitivo que possa subsistir isoladamente, desatrelado da indenização pelos prejuízos decorrentes do atraso ou descumprimento do contrato. Também não possui, o negócio jurídico, o condão de conferir esse poder, cuja ausência é intrínseca à natureza jurídica das partes e à condição de igualdade em que se encontram, uma perante a outra e ambas perante o contrato que celebram. Assim, diante da configuração da mora, a aplicação da multa servirá para punir com a indenização pré-fixada, antecipando os benefícios desta diante da desnecessidade de pleito judicial. Desse modo, se a multa for insuficiente para satisfazer os lucros cessantes, a parte terá agido mal ao livremente avençá-la, devendo arcar com as consequências.

Não se discute o alento que essa decisão do STJ trará aqueles que suportam os abusos perpetrados por construtoras que postergam a prazo indizível a entrega de imóveis, gerando transtornos muitas vezes não revertidos pela mera indenização pecuniária. Contudo, sob o enfoque da lei, não me parece ser a interpretação acertada.

Ademais, existe uma preocupação com os efeitos que tal interpretação pode produzir nos contratos públicos. Nesses, o regime jurídico é caracterizado pelo poder de exercer prerrogativas em defesa do interesse público. As multas, assim como as demais sanções, decorrem da supremacia do interesse público sobre o privado e a Administração Pública tem o dever de prevê-las e aplicá-las. Portanto, existe o poder (e o dever) de punir. Mas existe, também, o dever de perseguir o ressarcimento pelos prejuízos causados pelo descumprimento ou cumprimento irregular do contrato, não na forma de lucros cessantes, mas certamente, de danos emergentes. Não poderá haver caso em que o contrato administrativo tenha deixado de prever a aplicação de multas, seja para punir a mora, seja para punir o inadimplemento. A previsão é obrigatória e sua aplicação, nos casos em que restar configurada a infração e apurada a culpa do contratado, é um dever irrenunciável.

Alguns autores do Direito Administrativo equiparam a multa contratual aplicada pela Administração Pública à cláusula penal do Direito Civil. Essa tem sido uma tendência observada em alguns modelos de contratos divulgados pela CGU e AGU, quando possibilitam que a fixação do quantum debeatur exato deverá ocorrer no momento da aplicação da sanção.

Há consequências relevantes para a adoção dessa interpretação. A multa, qualquer que seja a sua espécie, enquanto expressão da supremacia do interesse público sobre o privado, como uma prerrogativa pública de punir seus contratados infratores, não afasta a possibilidade de ressarcimento integral do dano. Ao contrário, equiparada à cláusula penal, traz à tona a discussão que ora se põe. E, tratando-se da multa do inciso II do art. 87, que teria, então, a finalidade de compensar o prejuízo decorrente do inadimplemento, à Administração caberia a responsabilidade de quantificar o dano com precisão suficiente para abarcar todo o prejuízo, já que, para o caso da cláusula penal compensatória, não há qualquer discussão acerca da impossibilidade de somar-se à indenização por perdas e danos.
 
Desse modo, a decisão administrativa de trazer para o bojo dos contratos públicos o entendimento do STJ ora comentado deve ser precedida de cuidadosa reflexão, pois reputará em adotar, concretamente, a natureza de cláusula penal para a multa, com as consequências que isso representa.