quinta-feira, 31 de março de 2011

TCU confirma: Preferência em licitação apenas com regulamentação do Poder Executivo

TCU confirma: Preferência em licitação apenas com regulamentação do Poder Executivo

Uma boa discussão: o Sistema de Registro de Preços e a aquisição de quantidade muito inferior à licitada

A Lei 8.666 determina que as compras, sempre que possível, serão processadas mediante sistema de registro de preços. Também determina que ele será precedido de ampla pesquisa de mercado, terá seus preços publicados trimestralmente na imprensa oficial, terá validade de um ano e, por fim, que a existência de preços registrados não obriga à contratação, apenas dá preferência ao detentor do registro em igualdade de condições. Eis os parâmetros e limites legais para a regulamentação do sistema de registro de preços, a qual deve ocorrer por decreto.

Mas, o que é, segundo a Lei, o sistema de registro de preços? A resposta precisa é impossível de ser dada. A Lei não traz características suficientes para definí-lo. Pode-se afirmar, apenas, que se trata de uma espécie de banco de preços que deve balizar as contratações públicas e ser renovado anualmente. A preferência ao detentor do registro seria uma espécie de prêmio pela colaboração privada. A rigor, então, o sistema de registro de preços seria um procedimento destinado a identificar os preços ofertados pelo mercado para determinados objetos, com o objetivo de sua prática nas contratações futuras. Esse, na realidade, era o formato do antigo SIREP, instituído pelo revogado Decreto 449/92. Hoje, o sistema de registro de preços, ou SRP, tem outros contornos. Equivocados? Não, diante do comando aberto da Lei 8.666. Os decretos federais trataram de aperfeiçoar o modelo anterior, que se comprovou falho - ainda que, em certos momentos, extrapolem o mero poder regulamentar.

Contudo, um aspecto da prática do sistema de registro de preços atual causa-me certo desconforto. Diz-se que, registrados os preços, a Administração poderá  realizar contratações em quantidades ínfimas em face da estimativa total. Essa prerrogativa poderia ser verdadeira no contexto do antigo SIREP, mas, acredito, não pode subsistir no atual regramento, pelas seguintes razões:
1. O SRP é implantado mediante processo competitivo - a licitação, na qual os participantes elaboram suas propostas e oferecem seus descontos considerando as quantidades, ainda que estimadas, do objeto;
2. A Constituição da República garante a manutenção das condições efetivas da proposta durante a execução do contrato, garantia que, parece-me, não encontra exceção relacionada à forma como sejam apresentadas, se em licitação convencional ou SRP;
3. A Lei 8.666 proíbe a supressão unilateral do objeto pela Administração em montante acima de 25% sobre o valor inicial atualizado do contrato, conferindo segurança jurídica à relação negocial, princípio que, da mesma forma, não parece comportar exceções.

Ao efetuar aquisições em quantidades irrisórias,  a Administração causa prejuízo econômico ao particular, que elaborou sua proposta considerando o atendimento total ou aproximado da demanda licitada. Quebra-se o que o mercado chama de economia de escala, ou seja, quanto maior a quantidade, menor o preço - e maior a vantagem da Administração. Assim, a Administração se beneficia com a licitação para determinada quantidade estimada, obtendo preços vantajosos, e adquire quantidade muito inferior, em prejuízo do contratado, numa atitute que poder ser chamada de desleal e prejudicial à segurança jurídica, em afronta aos respectivos princípios da Segurança Jurídica e Lealdade entre os Contratantes. E, numa interpretação rigorosa, pode configurar abuso de poder e ilegalidade.

Ademais, ainda que se esteja diante de quantidades meramente estimadas, a quantidade licitada deve ser identificada com vistas a médias anteriores de consumo, ou seja, considerando uma realidade administrativa, e de forma coerente e racional. Não se trata de atividade meramente aleatória da Administração, pois há dever de licitar quantidades aproximadas. Pode-se, conforme entendo, admitir grandes disparidades apenas em casos excepcionais, devidamente justificados.

Observem que não estou falando em engessar quantidades, o que retiraria o propósito do SRP, mas no  uso responsável dessa ferramenta, evitando que seja depreciada e que se torne fonte de reclames justos de indenização - os quais, vale alertar, possuem grandes chances de êxito numa apreciação pelo Poder Judiciário.

Em tempo: o TCU teceu recomendações nesse sentido no Acórdão 1487/2007, escorado em posicionamento de Marçal Justen Filho.

terça-feira, 29 de março de 2011

Ainda sobre as novas regras de preferência para produtos nacionais...

Retorno ao assunto para complementar meu rápido raciocínio anterior. Não acho que as normas de preferência introduzidas na Lei 8.666 sejam, em si, ruins. Realmente, diversos setores nacionais penam com a concorrência de produtos externos, como os chineses, e é premente a necessidade de medidas que visem proteger o mercado interno e promover o desenvolvimento nacional. Contudo, questiono se são o veículo adequado, já que podem oneram enormemente os cofres públicos. Observem que as atuais regras não encontram paralelo no sistema jurídico, nem mesmo com a preferência atribuída pelo Decreto 7.174 para o produtos e serviços de informática e os benefícios concedidos às microempresas e empresas de pequeno porte pela LC 123/06. O primeiro estabelece o pequeno limite de 10% acima da melhor proposta, para fins de exercício do direito de preferência, enquanto a LC 123 e o Decreto regulamentador na esfera federal, nº 6.204, estabelecem preferência às propostas até 10% ou 5% superiores à melhor proposta apresentada por empresa de médio ou grande porte, conforme se trate de modalidade da Lei de Licitações ou pregão. As novas normas permitem que as contratações ocorram em valores 25% superiores, o que, na minha opinião, é muita coisa. E impactará diretamente no planejamento orçamentário, podendo acarretar prejuízo a outros setores necessários ao bom funcionamento da Administração Pública. Daí a preocupação com que a forma de estabelecimento da margem de preferência, em cada caso, seja correta, atenta aos princípios da economicidade, da isonomia e, principalmente, da legalidade. E que só chegue no patamar máximo quando realmente necessário. Será, portanto, fundamental para a preservação da ordem jurídica acirrar o controle prévio dos atos relacionados a tais licitações, sendo perfeitamente possível à sociedade e aos interessados, de um modo geral, questionar a margem estabelecida e os respectivos critérios empregados em sua identificação.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Gestão e Fiscalização de Contratos em Recife (instrutora: Gabriela Pércio)

http://www.negociospublicos.com.br/nptreinamentos/

I Encontro Internacional de Curitiba em Gestão Pública para Resultados

http://imap-web.imap.org.br/IEIGP/?page_id=223

Constatações sobre a Lei 12.349 e a preferência por produtos e serviços nacionais - Mais um "tiro no pé"?

A Lei 8.666/93, Lei Nacional de Licitações e Contratos Públicos, foi recentemente alterada, passando a admitir a preferência, em licitações, para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras (Lei 12.349/2010). Essas margens de preferência deverão ser estabelecidas pelo Poder Executivo segundo quesitos indicados pela Lei e com base em estudos revistos periodicamente, não podendo ultrapassar 25% sobre o preço de produtos manufaturados e serviços estrangeiros. É o que os especialistas estão chamando de "princípio da promoção do desenvolvimento nacional", apesar de que esta margem de preferência, segundo a Lei, poderá ser estendida aos Estados Parte do Mercosul. O que deve ser anotado: a) a Lei permite o estabelecimento de margem de preferência devidamente justificada;
b) essa margem de preferência deverá ser de "até" 25% e não, necessariamente, de 25%. Questão que emerge: haverá meios para o efetivo controle da legalidade?
Por fim, é uma pena que, no Brasil, a prática do "tiro no pé" seja uma constante: uma ação com efeitos positivos e tão desejados tem também um nefasto efeito, qual seja, o de produzir contratações mais onerosas e, eventualmente, tecnicamente desvantajosas à Administração Pública.

terça-feira, 22 de março de 2011

Fórum Mundial de Sustentabilidade - Manaus

http://www.climaedesmatamento.org.br/agenda/Forum-Mundial-de-Sustentabilidade/196

Prorrogação da vigência de contratos - Aplicação extensiva do inc. II do art. 57 a contratos de fornecimento - Entendimento do TCU

Sabe-se que os contratos de fornecimentos não se encontram entre as hipóteses legais de prorrogação e prazo de vigência para além do exercício financeiro em que são celebrados. Confomre estabelece o art. 57, a regra é a vinculação da vigência ao respectivo crédito orçamentário, exceto para os casos enumerados em seus incisos, quais sejam, contratos cujos objetos que estejam contemplados nas metas previstas no PPA, contratos para prestação de serviços considerados de natureza continuada, contratos para utilização de programas de informática e locação de equipamentos e, ainda, mais recentemente, incluído pela Lei 12.349/2010 (conversão da MP 495), contratos que caracterizarem as hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVII e XXXI do art. 24 da Lei 8.666. Assim, ajustes que tiverem por objeto o fornecimento de bens, ainda que durante um determinado período de tempo (ex.: fornecimento diário de leite a creches municipais), a rigor, não podem perdurar para além do crédito orçamentário vigente no momento de sua formalização.

Essa regra sempre suscitou questionamentos, especialmente no que concerne às seguintes conclusões extraídas do texto legal: a) se não é possível prorrogar contratos de fornecimento para além de 31 de dezembro do respectivo ano de celebração (quando se encerra a vigência da Lei Orçamentária Anual - LOA), então também não é possível celebrar tais contratos abarcando mais de um exercício financeiro (ex.: de outubro de um ano a outubro de outro), acarretando ilegalidade de uma atuação administrativa corriqueira; b) contratos de fornecimento de produtos essenciais ao funcionamento da Administração ou ao exercício de sua atividade fim devem ser celebrados anualmente, mediante realização do devido procedimento licitatório, a despeito de, em certos casos, serem tão ou mais importantes que serviços considerados de natureza continuada. Ambos os temas não comportam aprofundamento no presente momento, sob pena de desviar o foco do post.  A conclusão contida na letra´"a" será discutida em  outra postagem e a da letra "b", relacionada ao assunto em debate, servirá apenas para ancorar o desenvolvimento da abordagem, não sendo avaliada de forma crítica, o que igualmente ficará para uma postagem específica. 

O Tribunal de Contas da União, no Acórdão 766/2010, decidou “admitir, em caráter excepcional, com base em interpretação extensiva do disposto no inciso II do artigo 57 da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, que as contratações para aquisição de fatores de coagulação sejam consideradas como serviços de natureza contínua”. Na fundamentação, o Ministro Relator, José Jorge, destacou a responsabilidade e competência do TCU para "não só identificar e conhecer todo o processo que regula a compra, aplicação e distribuição de tais substâncias, como também recomendar soluções factíveis e permanentes para questão tão sensível, qual seja, a oferta insuficiente de hemoderivados adquiridos de forma centralizada pelo Ministério da Saúde, e que atinge diretamente cerca de doze mil pessoas em todo o país". Assim, diante "das  crises de abastecimento e da falta de regularidade na distribuição dos medicamentos", salientou que a interrupção do fornecimento afeta diretamente a execução do serviço de tratamento, considerado de natureza continuada.

O decisum é um marco na jurisprudência daquela Corte. Em afinado exercício da hermenêutica jurídica (ciência da interpretação das leis), estendeu os efeitos de uma norma rigorosamente aplicada a contratos de prestação de serviço, e de natureza continuada, a contratos cujo objeto é o fornecimento de bens necessários à prestação do serviços de natureza continuada, qual seja, o atendimento a hemofílicos. Entretanto, é necessário extremo cuidado para que o julgado em questão não seja utilizado irrestritamente como fundamentação para prorrogações de contratos de fornecimento. Note-se  que os mencionados serviços não são meros serviços de natureza continuada em sentido estrito, configurando serviço público prestado pelo Estado em caráter não exclusivo (saúde) - o que poderia ser categorizado como serviço de natureza continuada em sentido lato. E é para esse ponto que devem convergir todas as cautelas. A aplicação extensiva ocorreu em caráter excepcional para uma dada situação concretamente analisada, qual seja, o fornecimento de hemoderivados, atividade cuja interrupção prejudica o desempenho de atividades fim do Estado. Portanto, são duas as premissas: a) a aplicação extensiva depende de análise do caso e suas circunstâncias; b) a aplicação extensiva poderá se dar, excepcionalmente, apenas para realizar interesse público primário, da mais alta relevância.

Desse modo, conforme me parece, o entendimento do TCU ora comentado não permite a conclusão generalizada de que contratos de fornecimento de bens podem ser prorrogados nos termos do inc. II do art. 57, se demonstrada a continuidade da necessidade. O extrapolamento dos limites contidos no caput do art. 57 e no seu inc. II - a vinculação ao crédito orçamentário, ressalvados os contratos de prestação de serviço de natureza continuada - estaria autorizado para aquele caso, em que se mostra necessário à defesa do interesse público primário (interesse coletivo).



segunda-feira, 21 de março de 2011

IN 02/08 - Repactuação condicionada à solicitação do contratado - Preclusão do direito - Ilegalidade das regras

Com algumas exceções, doutrina e jurisprudência seguem a linha de que reajuste e repactuação devem ser concedidos apenas mediante solicitação pelo contratado. Com o devido respeito, alinho-me aqueles que não compartilham deste entendimento. Suas razões podem ser de conveniência e oportunidade administrativa, considerando tratar-se de um direito disponível e, portanto, renunciável pelo contratado. Mas, carecem de legalidade. 

A Lei 8.666 traz a indicação do critério de reajuste como cláusula obrigatória do edital (art. 40, inc. XI). Como escreveu Marçal Justen Filho, trata-se de uma "antevisão da inflação", de uma "presunção absoluta de desequilíbrio". Assim, deve-se concluir que o único condicionante para a realização do reajuste, qualquer que seja o critério eleito - aplicação de índice ou verificação análitica da variação dos custos no mercado - é o decurso do tempo de 12 meses, a contar da apresentação da proposta ou do acordo, convenção ou dissídio coletivo, conforme o caso. Não é lícito à Administração opor qualquer outro obstáculo à concessão do reequilíbrio econômico financeiro por esta via, já devidamente prevista no instrumento que fixa as regras da licitação e do contrato. Não é lícito sequer à Administração prever no edital e no contrato, ao pretexto de respaldar sua conduta, que o contratado deverá solicitar formalmente o reajuste ou a repactuação. O inc XI do art. 40, dispositivo que prevê a obrigatoriedade da indicação do critério de reajuste e da sua ocorrência após os 12 meses, regulamentando o art. 37, incl. XXI da Constituição da República, não confere espaço à regulamentação inferior. 

Há nítido conflito entre essas conclusões e o entendimento do TCU externado no Acórdão 1828/08 - Plenário, comentado no post anterior, bem como as regras da IN 02/08, que tiveram o referido decisum como amparo. Com efeito, o reajuste e a repactuação devem ser realizados de ofício pela Administração ao cabo do lapso temporal mínimo para a concessão conforme previsto, previsão esta que gera para o contratado a segurança de que o reequilíbrio irá ocorrer incontinenti (princípio da segurança jurídica). Assim, o fato de o contratado  não se manifestar no momento da prorrogação para arguir a repactuação devida e não realizada não afasta a classificação da conduta administrativa como desconforme ao ordenamento juridico.  Entender diversamente equivale, data venia, a ser cerrar os olhos ao descumprimento da Lei e negar efeito a um direito constitucionalmente assegurado aos contratados, além de estimular o abuso da posição de supremacia administrativa.

Ademais, cabe lembrar que a repactuação e o reajuste podem ocorrer em favor da Administração, donde a inércia administrativa na verificação de ofício pode acarretar graves danos aos cofres públicos. "Ora", alguém diria, "concessão de ofício e verificação de ofício são coisas diferentes"... Entretanto, não há razões jurídicas admissíveis para um tratamento diverso entre a Administração e o contratado, especialmente diante da proteção constitucional que assegura a manutenção das condições efetivas da proposta ao longo de toda a execução.

Desse modo, o que pode ser admitido, até para facilitar procedimentos de negociação de preços para o próximo período de vigência, é a previsão em edital e contrato de que, no momento da prorrogação, o contratado, assim o querendo, poderá renunciar expressa e voluntariamente ao direito ao reajuste e à repactuação já assegurados.

Preclusão do direito ao reajuste do contrato e entendimento do TCU

O Acórdão 1.828/2008-Plenário do Tribunal de Contas da União externou o entendimento do órgão sobre a preclusão do direito à repactuação de contratos de prestação de serviços de natureza continuada. Segundo o voto do Ministro Relator, Benjamin Zymler, a perda do direito a reclamar a repactuação ocorre quando o contratado, de livre e expontânea vontade, prorroga o prazo de vigência, ratificando os termos do ajuste sem manifestar a intenção de obter o reequilíbrio econômico financeiro pela via referida. A prorrogação equivaleria a um novo contrato, impedindo a modificação dos termos do contrato original.

Diante desse raciocínio, tenho recebido questionamentos sobre sua aplicabilidade ao instituto do reajuste do contrato mediante aplicação de índices, já que a repactuação, segundo entendimento predominante, é uma forma de reajuste. A questão é de especial relevância para aqueles órgãos e entidades que não estão submetidos ao Decreto federal 2.271/97 e à IN 02/08 e alterações posteriores, que não encontram restrição à utilização da aplicação de índices setoriais como critério de reajuste de contratos prorrogáveis. Então, a prorrogação da vigência sem o expresso requerimento do contratado visando o reajuste acarretaria a preclusão do direito? Parece que sim.

Contudo, alerta-se não ser prudente e adequado pressupor tratar-se de entendimento do TCU. Muito embora hajam indícios de uma eventual análise e conclusão em sentido idêntico, ante a semelhança das hipóteses, apenas uma manifestação expressa permitiria tal conclusão.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Novo acréscimo do objeto após supressão - Base de cálculo

Questão bastante interessante é a identificação da base de cálculo para a realização de acréscimos ao objeto do contrato após já terem sido realizadas supressões. Duas são as possíveis respostas: a) a base de cálculo continua sendo o valor inicial atualizado do contrato ou a) a base de cálculo se altera, passando a ser o valor atual do contrato. Primeiramente, cabe definir o que seja valor inicial atualizado do contrato, expressão grafada no §1o do art. 65 da Lei 8.666 para indicar o valor sobre o qual devem ser calculados os 25%, limite para as modificações de objeto. Certamente, não se confunde com valor atual do contrato. O valor atual do contrato é o valor do contrato, para fins de pagamento, em um dado momento da sua vigência. Inclui revisões, reajustes ou repactuações porventura realizados, bem como os efeitos reflexos de modificações contratuais legais objeto de termos aditivos. O valor inicial atualizado apenas inclui revisões, reajustes e repactuações procedidas, referidas na lei como "atualizações". Assim, eventuais modificações anteriores que repercutam no valor do contrato (sempre pressupondo o respaldo no fato superveniente e imprevisível, comentado no post anterior), não devem ser consideradas para o fim de cálculo do percentual legal.

Quando a Lei determinou um limite calculado sobre o valor inicial atualizado do contrato, vinculou o agir administrativo à licitação anterior. É o mesmo que dizer: há uma margem de modificação autorizada, flexibilizando-se o dever de licitar, margem essa estabelecida com base no valor do contrato licitado, atualizado. Assim, as modificações para mais ou para menos nas quantidades do objeto (e, segundo o TCU, também as modificações nas suas especificações, chamadas "qualitativas"), deverão ser, sempre, calculadas sobre esse quantum, o que implica dizer que, enquanto o percentual limite não for, nesses termos, alcançado, as modificações serão possíveis.

A questão foi trazida à discussão por ocasião do Acórdão 749/2010 – Plenário do TCU. Em seu voto, o Ministro Relator, Augusto Nardes, afirmou que, "embora haja controvérsia sobre o assunto no âmbito deste Tribunal, a jurisprudência majoritária da Corte de Contas tem se encaminhado no sentido de que as alterações contratuais referentes às reduções ou acréscimos dos quantitativos do objeto devem ser calculadas sobre o valor original do contrato, o que mitigaria, por exemplo, a suposta irregularidade consistente na celebração de aditivo superior ao permitido na lei." Deixou de acompanhar o entendimento da Unidade Técnica, defendendo a tese de que "quando o objeto não mudar, o cômputo deste limite deve ser feito em relação ao valor inicial atualizado do contrato. Entretanto, caso haja descaracterização do mesmo, tal limite deve ser calculado em relação aquilo que remanesceu do valor inicial.” Com o devido respeito, cabe lembrar que as alterações no objeto tem como limite intransponível a impossibilidade de sua transmudação, com o aviltamento das características originais do todo. A modificação contratual nesses moldes será desde logo ilegal, independentemente do percentual que venha a atingir.   

O fato superveniente imprevisível é condição de legalidade da modificação do objeto contratual

Desde muito tempo propugno a necessidade de um fato superveniente e imprevisível como condicionante da licitude da modificação do objeto do contrato. Certamente não sou a única, mas muitos tendem a classificar tal orientação de excessivamente rigorosa ou, simplesmente, desconsideram esse elemento fortuito. Parece claro que, se o objetivo da Lei foi evitar o engessamento da Administração a termos contratuais imutáveis, diante da possibilidade de modificação do próprio interesse público envolto na contratação, apenas uma imprevisibilidade pode autorizar tais modificações. A previsibilidade obriga a Administração a planejar adequadamente a contratação, respeitando fielmente o dever constitucional de licitar. Assim, se fatos supervenientes e imprevisíveis modificarem o interesse público original, o contrato deverá se ajustar a esses novos contornos, observados os limites jurídico-legais. Na prática, as modificações contratuais tem sido realizadas indiscriminadamente, com ou sem fato superveniente autorizador. Tal conduta deve ser objeto de rigoroso controle pelas Cortes de Contas, pois afronta diretamente o disposto no art. 37, inc. XXI da Constituição da República. Muito bem, mas e se o mau planejamento da contratação efetivamente só puder ser corrigido sem maiores danos ao interesse público por meio de modificações ao contrato? Se essa for a única solução, a modificação deverá ser realizada, apurando-se a responsabilidade de quem deu causa à ilegalidade. 

OAB propõe ação civil pública contra nepotismo cruzado no Pará

A Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará requereu judicialmente, mediante ação civil pública, a exoneração de todos os assessores especiais do gabinete do governador Simão Jatene (PSDB), diante das suspeitas de nepotismo cruzado com magistrados do Judiciário Estadual, deputados e membros das Cortes de Contas. O presidente da OAB-PA, Jarbas Vasconcelos, justifica que os cargos de assessoria no gabinete do chefe de Estado não têm previsão legal e costumam ser preenchidos e ampliados para atender ao clientelismo político. Ele estima que os gastos com esses assessores cheguem a R$ 30 milhões por ano. A ordem também enviou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um pedido de sindicância e abertura de processo disciplinar contra os membros do Tribunal de Justiça do Estado (TJE) envolvidos. A Ordem contabilizou 442 nomeações de assessores especiais entre os dias 6 de janeiro e 11 de março deste ano, com remunerações que variam de R$ 3 a 7 mil, mas estima que haja cerca de 750 assessores no setor se contabilizar também os remanescentes de administrações anteriores. As investigações devem ser ampliadas também para os demais Poderes.
O Governo negou a prática de nepotismo cruzado, justificando que a nomeação de assessores especiais é legal, amparada na Lei 5.810/1994, com salários variando de R$ 545,00 a R$ 4.070,00, e que os comissionados "desenvolvem atividades pertinentes à funcionalidade do Estado, por conta da insuficiência, e muitas vezes inexistência, de cargos de direção e assessoramento nas secretarias e demais órgãos da administração direta e indireta". Informou que na Casa Civil, Casa Militar, Cerimonial, Consultoria Geral do Estado e Banco do Cidadão todos os cargos de diretoria são ocupados por assessores especiais.[1]



[1] Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2604865/deu-na-imprensa-oab-pa-quer-demissao-de-todos-os-assessores-especiais-do-governador

Pregão pelo Sistema Comprasnet - Uso de software robô

Desde o início do ano, o sistema de pregão eletrônico no portal Comprasnet detecta (ou está programado para detectar) o uso de robôs na fase de realização de lances, fazendo com que o usuário perca a conexão. Essa alteração no sistema, que já possuia, desde 2006, uma espécie de dispositivo antirrobô pouco eficiente, decorreu de determinação do Tribunal de Contas da União no Acórdão 1.647/2010-Plenário, no sentido de que a SLTI identificasse e adotasse “meios de prover isonomia entre os licitantes do pregão eletrônico, em relação a possível vantagem competitiva que alguns licitantes podem obter ao utilizar dispositivos de envio automático de lances (robôs)”, em detrimento da isonomia na participação.

Acréscimo e supressão de objeto contratual - Compensação - Entendimento do TCU

TCU - Acórdão 749/2010 – Plenário, ratificado no Acórdão 1.200/2010 – Plenário
“9.2. determinar ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes que, em futuras contratações, para efeito de observância dos limites de alterações contratuais previstos no art. 65 da Lei nº 8.666/1993, passe a considerar as reduções ou supressões de quantitativos de forma isolada, ou seja, o conjunto de reduções e o conjunto de acréscimos devem ser sempre calculados sobre o valor original do contrato, aplicando-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem nenhum tipo de compensação entre eles, os limites de alteração estabelecidos no dispositivo legal;”

Micro empresa e Empresa de Pequeno Porte - Desenquadramento do SIMPLES - Repactuação

A fruição dos benefícios concedidos pela LC 123/06 depende unicamente da demonstração da condição de ME/EPP. A inscrição da empresa no Simples Nacional, ato que lhe é facultativo, não produz qualquer interferência na aplicação de tais normas. Desse modo, não se confundem as normas tributárias com as disposições do art. 42 e seguintes da referida Lei, que regulam o acesso das ME e EPP às contratações públicas.
Assim, o que confere à empresa a possibilidade de usufruir do acesso facilitado aos contratos administrativos não é a opção tributária, mas o status atual de ME ou EPP. Por esta razão, eventual repactuação de preços durante a execução do contrato, decorrente do desenquadramento da condição do Simples por superação do limite legal de renda bruta anual durante a execução do contrato – e consequentemente, perda da condição de ME e EPP - não fere o princípio da isonomia.
Note-se que, n este caso, a empresa que permanecer utilizando-se do signo de ME e EPP e usufruindo fraudulentamente do mesmo sistema tributário cometerá ilegalidade. Portanto, o desenquadramento é obrigatório. A empresa deve comunica-lo às entidades competentes (Junta Comercial e SRFB), as quais emitirão os documentos comprobatórios correspondentes. Ora, se o desenquadramento é obrigatório – afastada, por certo, a hipótese de enquadramento indevido -, nada obstaria a repactuação visando a readequação do contrato à nova realidade tributária da contratada. Não seria razoável forçar a empresa a praticar as mesmas condições anteriormente propostas, embasadas em situação jurídica distinta, se a mudança dessa situação é perfeitamente admissível, lícita e, mais, desejada pela Constituição da República quando autorizou o tratamento diferenciado.
Esse raciocínio não se aplica, contudo, a hipóteses em que o contrato, de plano, trará o desenquadramento, ou seja, toda a sua execução ocorrerá sob o regime de lucro presumido, ainda que atualmente a empresa esteja enquadrada no Simples. Nesse caso, e conforme postagem anterior, a proposta deverá ser elaborada considerando a situação que imediatamente se instalará se a licitante for a vencedora do certame, o que implicará considerar a condição tributária de empresa desenquadrada do Simples. Do contrário, o argumento de que a previsibilidade do desenquadramento acarreta para a empresa o dever de elaborar proposta em conformidade com condição tributária a ser futura e paulatinamente adquirida não será compatível com o sistema legal de reequilíbrio econômico financeiro de contratos. A proposta não espelharia custos reais e, até que o desenquadramento efetivamente ocorresse, acarretaria ônus indevido à Administração.
Contudo, a LC 123, no art. 3º, §3º estabelece que “ O enquadramento do empresário ou da sociedade simples ou empresária como microempresa ou empresa de pequeno porte bem como o seu desenquadramento não implicarão alteração, denúncia ou qualquer restrição em relação a contratos por elas anteriormente firmados.” (Sem grifos no original.) Tal dispositivo tem respaldado o entendimento de que o desenquadramento não acarreta a alteração do contrato firmado na condição de ME ou EPP, inclusive pela via da repactuação, ensejando cautela por parte da Administração Pública, que deverá seguir, a rigor, a orientação de sua Assessoria Jurídica e de sua Corte de Contas.
Por fim, destaca-se que, por outro lado, o desenquadramento “por opção”, qual seja, aquele que ocorre por critérios de conveniência e oportunidade da própria empresa, parece ensejar a aplicação do dispositivo acima transcrito de forma plena, obrigando o contratado a honrar o compromisso inicial firmado com a Administração, a despeito de sua opção pelo desenquadramento do SIMPLES.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Diogo Mainardi - O Brasil explicado para "coelhinhos" (Revista Veja, 9/3)

"Brasil: ame-o ou deixe-o". Embora já o tenha deixado, o colunista continua bradando sua falta de amor... Na minha opinião, o escritor sagaz e de estilo agressivo desta vez foi  infeliz e agressivo. Agrediu o Brasil e os brasileiros de uma forma tola, desnecessária e despropositada. Senti-me humilhada publicamente, por um ser arrogante e antipatriota. E olha que não jogo lixo na rua, não pulo carnaval, não sou preconceituosa nem racista. Se o Brasil e os brasileiros o aborrecem, é só nos esquecer... A nação agradece.

Licitação para serviços de publicidade - Caracterização dos serviços, Modalidade e Tipo obrigatório

O art. 5º da Lei 12.232/2010 estabelece que “as licitações previstas nesta Lei serão processadas pelos órgãos e entidades responsáveis pela contratação, respeitadas as modalidades definidas no art. 22 da Lei nº 8.666/93, de 21 de junho de 1993, adotando-se como obrigatórios os tipos “melhor técnica” ou “técnica e preço”. (Sem grifos no original). Portanto, a Lei nº 12.232/2010  obsta a licitação pautada unicamente no critério do menor preço, o que, a rigor, exclui a utilização da modalidade pregão para tais serviços. Ao demais, a identificação da modalidade cabível deve ser feita a luz do vulto da contratação, conforme critério fixado pelo art. 23 da Lei nº 8.666/93 e a norma contida no §2º do art. 1º da Lei nº 12.232/2010, processando-se pelos tipos melhor técnica ou técnica e preço.

A identificação dos serviços que devem ou não, nos termos da Lei, ser considerados de publicidade para os fins de aplicação das novas normas é atividade de cunho técnico, envolvendo atuação específica de profissional com conhecimentos na área correspondente. Assim, é necessário que a Administração consulte profissional especializado na área de Publicidade e Propaganda para que possa, diante de todas as características do caso concreto, chegar a uma conclusão precisa.

Cabe atentar, contudo, que a Lei referida criou a categoria específica de "serviços de publicidade para os fins desta Lei", destacando-os de outros serviços que, no meio técnico, possam também ser considerados, genericamente, serviços de publicidade em razão de sua natureza ou por serem prestados por agências de publicidade. Assim, de acordo com o art. 2º, "considera-se serviços de publicidade o conjunto de atividades realizadas integradamente que tenham por objetivo o estudo, o planejamento, a conceituação, a concepção, a criação, a execução interna, a intermediação e a supervisão da execução externa e a distribuição de publicidade aos veículos e demais meios de divulgação, com o objetivo de promover a venda de bens ou serviços de qualquer natureza, difundir idéias ou informar o público em geral". 

Empresas optantes pelo SIMPLES - Participação em licitação para contratos com cessão de mão de obra

TCU - Acórdão nº 2798/2010-Plenário, rel. Min. José Jorge, 20.10.2010:

1 - A condição de optante não impede a empresa de participar de licitação cujo objeto envolva cessão de mão de obra. Representação formulada ao Tribunal noticiou possíveis irregularidades no âmbito de pregão eletrônico destinado à contratação da prestação de serviços de copeiragem, com fornecimento de materiais/produtos destinados ao atendimento dos diversos órgãos que compõem a Administração Central da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) - Brasília/DF. A representante intentou o expediente perante o TCU em razão, basicamente, de decisão da pregoeira da ECT, que, a partir de recurso administrativo de outra licitante, reformou sua decisão inicial, na qual havia declarado vencedora do certame a representante. Em razão do recurso, a pregoeira entendeu ser devida a inabilitação da representante. Ao examinar a matéria, o relator destacou que o deslinde da questão envolvia a análise da possibilidade de participação de empresa optante pelo Simples Nacional em licitações de cessão e locação de mão de obra, ante a vedação expressa contida no art. 17 da Lei Complementar 123, de 2006 - LC 123/2006, que estabelece tal regime diferenciado de tributação. Inicialmente, destacou o relator que os serviços licitados, copeiragem, estariam enquadrados na referida vedação e, portanto, não poderia, a representante, desfrutar dos benefícios do regime de tributação do Simples. No entanto, isso "não constitui óbice à participação em licitação pública, pois, consoante destacou a unidade técnica, a Lei Complementar nº 123/2006 não faz qualquer proibição nesse sentido, tampouco a Lei de Licitações". Desse modo, "inexistindo vedação legal, o caminho a ser trilhado por empresa optante pelo Simples Nacional que eventualmente passe a executar serviços para Administração, mas que se enquadre nas hipóteses vedadas pela lei, seria, como sugerido pela unidade técnica, a comunicação, obrigatória, à Receita Federal da situação ensejadora da exclusão do regime diferenciado, sob pena das sanções previstas na legislação tributária”... (O Plenário acolheu o voto do relator. Acórdão n.º 2798/2010-Plenário, TC-025.664/2010-7, rel. Min. José Jorge, 20.10.2010).

2 - Nas licitações cujo objeto envolva cessão de mão de obra, a empresa optante será excluída de tal regime a partir do mês subseqüente ao da contratação. Ainda na representação oferecida ao Tribunal noticiando possíveis irregularidades no âmbito de pregão eletrônico destinado à contratação da prestação de serviços de copeiragem, com fornecimento de materiais/produtos destinados ao atendimento dos diversos órgãos que compõem a Administração Central da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) - Brasília/DF, outra questão fundamental seria a data de início dos efeitos da exclusão do regime do Simples Nacional. Para o relator, com base nos arts. 28, 29 e 30 da LC 123/2006, são duas as formas pelas quais se materializa a exclusão do Simples Nacional, com conseqüências distintas, conforme explicitado pela unidade técnica: "no caso de opção pela exclusão, a data de vigência dos efeitos se dá a partir de 1º de janeiro do ano-calendário subseqüente. Já no caso de incidência das vedações, a empresa é excluída a partir do mês seguinte à ocorrência da situação impeditiva". Na espécie, a representante "solicitou sua exclusão do Simples Nacional via 'opção', o que, conseqüentemente, só gera efeitos a partir de 31/12/2010, permanecendo a empresa até lá no regime diferenciado, não obstante já tenha incorrido na vedação prevista na lei desde o momento em que começou a prestar serviços para o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios". Contudo, para o relator, a situação não constituiria "motivo para penalizar a empresa, tolhendo-a de participar ou contratar com a Administração". O que ocorrera, no caso concreto, foi o equívoco quanto ao enquadramento da exclusão da representante, que não deveria ter sido por "opção", com efeitos a partir de 1º janeiro do ano-calendário subseqüente (2011, no caso), mas sim pelo fato de ela incidir em vedação desde 1º de julho de 2010, data de assinatura do contrato com o MPDFT. Todavia, para o relator, a despeito do erro de enquadramento, a representante, na licitação examinada, não contou com privilégios tributários, conforme declarado pela própria ECT, uma vez que na sua proposta não fora utilizada a tributação pelo regime do Simples Nacional. Assim sendo, votou pela expedição de recomendação corretiva à entidade, de que, em licitações futuras, "faça incluir, nos editais, disposição no sentido de que a licitante, optante pelo Simples Nacional, que venha a ser contratada, não poderá beneficiar-se da condição de optante e estará sujeita à exclusão obrigatória do Simples Nacional a contar do mês seguinte ao da contratação, em conseqüência do que dispõem o art. 17, inciso XII, o art. 30, inciso II, e o art. 31, inciso II, da Lei Complementar nº 123".

Assim, segundo entende a Corte de Contas Federal, é possível a participação de empresas optantes pelo simples nacional em licitações para contratação de mão-de-obra,  desde que, tornando-se vencedora, vencedora, comunique  à Receita Federal a assinatura do contrato de prestação de serviços mediante cessão de mão de obra, para providências relativas à exclusão do Simples a partir do mês seguinte.

Mas, como fica, então, a formulação da proposta pela empresa? Poderá considerar tributos de acordo com o regime diferenciado do Simples Nacional ou deverão ser formuladas como se  não fossem optantes? O Acórdão em epígrafe não analisou de forma direta a questão. Uma análise atenta do seu teor apenas permite concluir entendimento no sentido de que a presença da empresa optante pelo Simples no certame não acarretou conseqüências negativas, eis que a empresa “não contou com privilégios tributários (...), uma vez que na sua proposta não fora utilizada a tributação pelo regime do Simples Nacional”. Assim, contrario sensu, se a empresa houvesse se valido da condição de optante para obter sua classificação, parece possível compreender que a solução seria outra, provavelmente voltada para a impossibilidade de manutenção do certame naqueles termos.  Contudo, tal entendimento, como dito, não se encontra explícito no Acórdão, razão pela qual não se mostra prudente afirmá-lo. Ao contrário, a determinação à Administração de que "faça incluir, nos editais, disposição no sentido de que a licitante, optante pelo Simples Nacional, que venha a ser contratada, não poderá beneficiar-se da condição de optante”, parece restringir o entendimento do aludido órgão ao momento da contratação, estando excluída a auferição de eventuais benefícios durante a licitação.

Não obstante, até mesmo considerando os argumentos constantes do decisum, seria possível prosseguir no raciocínio afirmando que a ausência de benefício decorrente do regime tributário simplificado é condição para participação da empresa na licitação e inclui a apresentação de planilha desconsiderando o status atual de optante pelo Simples. Como fundamento, tem-se que, se a LC 123 veda a atuação da microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples na área em questão, a partir do momento em que a mesma decide empreender por tal caminho não se poderá beneficiar, para qualquer fim, do regime simplificado, devendo requerer imediatamente a retificação perante a Receita Federal. Nos procedimentos públicos concorrenciais, a referida retificação será efetivamente realizada se a empresa sagrar-se vencedora do certame, conforme consta da decisão supra colacionada, sem prejuízo à manutenção da opção em caso contrário. Contudo, o princípio da Isonomia impõe que a participação na licitação ocorra em condições de igualdade com outros interessados, já que a tributação normal, não simplificada, é que será a realidade da empresa e do futuro contrato.

Perceba-se, apenas para melhor compreensão, que a situação é essencialmente diversa da que envolve a participação de cooperativas em licitações públicas. O tema ensejava discussão sobre a necessidade de equiparar as propostas para fins de julgamento, já pacificada pelo TCU no sentido do descabimento de tal proceder.[1] O regime jurídico e tributário das cooperativas decorre de incentivo constitucional e legal e não será alterado quando da eventual contratação, admitindo-se que participem das licitações munidas de todos os benefícios que lhe são intrínsecos. Na situação em análise, a micro empresa ou empresa de pequeno porte estará obrigada a mudar sua condição tributária, sob pena de ilegalidade, situação esta que já pode e deve ser considerada no momento da elaboração e do julgamento da proposta. Assim, ante a impossibilidade de sustentar o regime de tributação simplificada, por expressa vedação legal, para concorrer em condição de igualdade com os demais licitantes, a micro empresa ou empresa de pequeno porte deverá apresentar planilha desconsiderando sua atual condição de optante pelo Simples.

Nessa linha, muito embora não caiba impor, no ato convocatório, um dado regime tributário a ser adotado pelo licitante na elaboração da sua proposta[2], o que, aliás, resta claro do Comunicado do SIASG, emitido de 06/04/2010 – que determina a abstenção “de fixar nos instrumentos convocatório o regime de tributação a ser adotado por todos os interessados em participar do certame licitatório, inclusive com a fixação de alíquotas, em função de um suposto príncipe de isonomia ou igualdade, pois tal procedimento não encontra respaldo legal, fere o princípio da economicidade e constitui ingerência na formação dos preços privados” – não se afigura ilícito determinar que as propostas sejam apresentadas consoantes ao regime de tributação compatível com a prestação de serviços envolvendo cessão de mão de obra. Observe-se que não se estará impondo um ou outro regime de tributação, pois o regime adotado permanecerá o mesmo, ocorrendo a alteração apenas se a microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples vier a ser contratada. Apenas, para os fins da licitação, será necessário apresentar proposta considerando o regime normal, não simplificado, a ser praticado pela futura contratada, de modo a atender ao princípio da Isonomia. Perceba-se, ainda, que desse modo não se estará realizando qualquer ingerência na administração das empresas licitantes, que permanecerão na condição de optantes ou não pelo Simples, conforme o caso, mas apenas compabitilizando a apresentação de propostas com a situação tributária efetivamente aplicável ao futuro contrato. Tal proceder evitará que uma situação fictícia, ou seja, que não será a realidade da contratação, sirva de frágil respaldo para a prática de um ato de tamanha relevância como o de classificar propostas, podendo resultar em injustiças calcadas em desigualdades injustificáveis.


[1] Acórdão TCU 963/2004-Plenário: “a participação das cooperativas no Pregão, sem a ocorrência de equalização entre as propostas comerciais, não representa qualquer ilegalidade ou prejuízo à isonomia do certame, menos ainda no presente caso, tendo em vista a desclassificação das cooperativas participantes por força de decisão judicial, o que demonstra a improcedência deste questionamento.”
[2] Sobre o tema, vide Acórdão TCU 1307/2005, 1ª Câmara.


[1] Acórdão TCU 963/2004-Plenário: “a participação das cooperativas no Pregão, sem a ocorrência de equalização entre as propostas comerciais, não representa qualquer ilegalidade ou prejuízo à isonomia do certame, menos ainda no presente caso, tendo em vista a desclassificação das cooperativas participantes por força de decisão judicial, o que demonstra a improcedência deste questionamento.”
[2] Sobre o tema, vide Acórdão TCU 1307/2005, 1ª Câmara.

Fraude em licitações públicas

Recentemente, o a imprensa nacional denunciou a previsão de instalação, via licitação, de lombadas eletrônicas em pequenas estradas de chão batido do interior do Rio Grande do Sul, por onde transitam apenas pedestres, animais e carroças. Indo mais fundo em suas investigações, apurou irregularidades praticadas por empresas deste ramo sediadas em Santa Catarina, Paraná e São Paulo, envolvendo editais dirigidos e pagamento de propinas.[1]
Essas ocorrências, que retornam à mídia com certa e indesejada frequência, causam indignação à população em geral e motivam ataques ao procedimento legal chamado licitação. Costuma-se ouvir que “a licitação é um entrave ao progresso e uma porta para a corrupção”.  
A licitação é um mal necessário. O sistema precisa e vem sendo aperfeiçoado. É injusto não reconhecer que a instituição da modalidade pregão, especialmente na forma eletrônica, foi um avanço sem precedentes, que está proporcionando grandes resultados. Contudo, ainda é possível realizar carta convite, modalidade que passou a ser sinônimo de fraude. O projeto de alteração da Lei 8.666, que tramita (em regime de urgência) há alguns invernos no Congresso Nacional, prevê a modificação do art. 23, §7º da Lei 8.666, para impor o prosseguimento do convite apenas na existência de três propostas válidas, visando impedir manipulações e conluios. Seria um passo seguinte, que precederia a radical solução de extinção da modalidade. Aguardemos a boa vontade.

Responsabilidade trabalhista, IN 02/08, E 331/TST e Julgamento da ADC 16

O art. 71, §1º da Lei 8.666 estabelece que a inadimplência de encargos trabalhistas pelo contratado não transfere à Administração a responsabilidade pelo seu pagamento. Todavia, o polêmico Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho, em seu item IV, impõe à Administração Pública tomadora desses serviços a responsabilidade subsidiária. Encontra-se pacificado no âmbito daquele Tribunal o entendimento de que, sendo demandada em ação judicial juntamente com a empresa prestadora dos serviços e restando verificado o inadimplemento por parte desta, a ausência de regularização mediante o pagamento voluntário ou penhora de bens da empresa implicará em dever de pagamento pela Administração, com fundamento no art. 37, §6º da Constituição da República e no art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
A despeito das críticas existentes acerca dos fundamentos jurídicos que sustentariam tal entendimento, é fato que sua aplicação vinha sendo ampla e irrestrita. Na grande maioria dos casos, “batia-se o carimbo” do Enunciado 331, sem análise de fatos, acarretando para os cofres públicos prejuízos incalculáveis. O tempo verbal foi conjugado no passado, pois a declaração de constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666, no dia 24 de novembro de 2010, pelo Supremo Tribunal Federal – STF trouxe mudanças.[1] Passada a euforia inicial e dissipada a rápida impressão de as regras estabelecidas pela IN 02 destinadas a fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas e que impõem a fiscais e gestores de contratos uma sobrecarga de atribuições poderiam ser eliminadas, constatou-se que a possibilidade de que a Administração venha a ser responsabilizada subsidiariamente não está afastada, com a diferença, contudo, de que tal decisão dependerá da constatação de omissão e culpa dos agentes públicos envolvidos no processo licitatório (culpa in eligendo) e na fiscalização do contrato (culpa in vigilando).[2]
Assim, a pacificação da matéria pelo STF reforça as preocupações relacionadas à adoção de procedimentos tendentes a afastar a atuação culposa. O objetivo primordial da fiscalização dos contratos de prestação de serviços mediante cessão de mão de obra, no tocante à parcela de deveres e obrigações trabalhistas, deve ser o de demonstrar documentalmente que a Administração agiu de forma diligente, buscando evitar, com providências adequadas e suficientes, os danos sociais decorrentes da inadimplência do contratante privado.
A questão, contudo, não é simples. A linha que separa as providências autorizadas da ingerência vedada é tênue. A Instrução Normativa 02/08-SLTI/MPOG, de observância obrigatória para a Administração Pública Federal, mais precisamente para órgãos integrantes do Sistema de Serviços Gerais – SISG, contem determinações que, a rigor, configuram ingerência administrativa, mas que estariam, em tese, legitimadas pelo escopo único de evitar a responsabilização. Desse modo, não tendo como finalidade interferir na liberdade de autodeterminação e autogerenciamento da empresa, visariam apenas e tão somente aferir a regularidade das práticas trabalhistas que podem repercutir na esfera de responsabilidade da Administração.

Dúvida que surge é referente à obrigatoriedade ou não de atenção às normas da IN 02, diante de expressões utilizadas em seu texto e que, em princípio, indicam mera faculdade administrativa. É o que ocorre com o art. 19-A, segundo o qual "o edital poderá conter" as medidas preventivas arroladas. A interpretação mais adequada, até mesmo ante a ausência se solução diversa, é que a palavra "poderá" foi utilizada no sentido de autorizar as determinações, atribuindo-lhes licitude, sem prejuízo da sua observância obrigatória. Se efetiva e adequadamente implementadas durante a execução do contrato, tais providências servirão para o afastamento da culpa in vigilando e da condenação ao pagamento subsidiário dos haveres trabalhistas.



[1] Os debates em sessão suscitaram a inaplicabilidade do §6º do art. 37 da Constituição da República, que em verdade disciplina a responsabilidade extracontratual do Estado. Também foi trazida à baila a afronta ao preceito da reserva de plenário, consubstanciado no Verbete Vinculante nº 10 do STF, já que o TST afastava a aplicabilidade da norma sem, contudo, declarar-lhe expressamente a inconstitucionalidade. O julgamento da ADC teve como conseqüência direta e imediata a procedência das Reclamações (RCL) ajuizadas por órgãos e entidades administrativas contra decisões condenatórias proferidas na instância trabalhista final. Também trará como corolário lógico a apreciação dos Recursos Extraordinários que forem impetrados contra decisões do TST em ações com tal objeto, configurando uma revisão de entendimento no âmbito do STF.

[2] A configuração da responsabilidade subjetiva do Estado em tais situações é duvidosa, pois a responsabilidade por omissão está diretamente relacionada ao dever de agir e, no caso dos contratos administrativos, há apenas o dever legal de fiscalizar a execução do objeto, não os meandros da relação trabalhista mantida entre a contratante privada e seus empregados.