segunda-feira, 21 de março de 2011

IN 02/08 - Repactuação condicionada à solicitação do contratado - Preclusão do direito - Ilegalidade das regras

Com algumas exceções, doutrina e jurisprudência seguem a linha de que reajuste e repactuação devem ser concedidos apenas mediante solicitação pelo contratado. Com o devido respeito, alinho-me aqueles que não compartilham deste entendimento. Suas razões podem ser de conveniência e oportunidade administrativa, considerando tratar-se de um direito disponível e, portanto, renunciável pelo contratado. Mas, carecem de legalidade. 

A Lei 8.666 traz a indicação do critério de reajuste como cláusula obrigatória do edital (art. 40, inc. XI). Como escreveu Marçal Justen Filho, trata-se de uma "antevisão da inflação", de uma "presunção absoluta de desequilíbrio". Assim, deve-se concluir que o único condicionante para a realização do reajuste, qualquer que seja o critério eleito - aplicação de índice ou verificação análitica da variação dos custos no mercado - é o decurso do tempo de 12 meses, a contar da apresentação da proposta ou do acordo, convenção ou dissídio coletivo, conforme o caso. Não é lícito à Administração opor qualquer outro obstáculo à concessão do reequilíbrio econômico financeiro por esta via, já devidamente prevista no instrumento que fixa as regras da licitação e do contrato. Não é lícito sequer à Administração prever no edital e no contrato, ao pretexto de respaldar sua conduta, que o contratado deverá solicitar formalmente o reajuste ou a repactuação. O inc XI do art. 40, dispositivo que prevê a obrigatoriedade da indicação do critério de reajuste e da sua ocorrência após os 12 meses, regulamentando o art. 37, incl. XXI da Constituição da República, não confere espaço à regulamentação inferior. 

Há nítido conflito entre essas conclusões e o entendimento do TCU externado no Acórdão 1828/08 - Plenário, comentado no post anterior, bem como as regras da IN 02/08, que tiveram o referido decisum como amparo. Com efeito, o reajuste e a repactuação devem ser realizados de ofício pela Administração ao cabo do lapso temporal mínimo para a concessão conforme previsto, previsão esta que gera para o contratado a segurança de que o reequilíbrio irá ocorrer incontinenti (princípio da segurança jurídica). Assim, o fato de o contratado  não se manifestar no momento da prorrogação para arguir a repactuação devida e não realizada não afasta a classificação da conduta administrativa como desconforme ao ordenamento juridico.  Entender diversamente equivale, data venia, a ser cerrar os olhos ao descumprimento da Lei e negar efeito a um direito constitucionalmente assegurado aos contratados, além de estimular o abuso da posição de supremacia administrativa.

Ademais, cabe lembrar que a repactuação e o reajuste podem ocorrer em favor da Administração, donde a inércia administrativa na verificação de ofício pode acarretar graves danos aos cofres públicos. "Ora", alguém diria, "concessão de ofício e verificação de ofício são coisas diferentes"... Entretanto, não há razões jurídicas admissíveis para um tratamento diverso entre a Administração e o contratado, especialmente diante da proteção constitucional que assegura a manutenção das condições efetivas da proposta ao longo de toda a execução.

Desse modo, o que pode ser admitido, até para facilitar procedimentos de negociação de preços para o próximo período de vigência, é a previsão em edital e contrato de que, no momento da prorrogação, o contratado, assim o querendo, poderá renunciar expressa e voluntariamente ao direito ao reajuste e à repactuação já assegurados.

4 comentários:

  1. Gabriela,
    Embora em seu post você esteja se referindo apenas a repactuação e ao reajuste, posso estender esse entendimento aos casos de revisão?
    Digo isso em razão da necessidade da observância do decurso de 12 (doze) meses para a concessão do reajuste/repactuação ao contratado, a contar da sua proposta, do acordo, convenção ou dissídio coletivo.
    Ocorre que, conforme entendimento de Marçal Justen Filho, em se tratando de CCT´s, aplica-se o disposto no art. 65, II, “d” da Lei 8666/93, que é o fundamento da revisão do contrato. In verbis:
    “(...) Afigura-se evidente, sob qualquer prisma, que a modificação dos encargos trabalhistas, que produza efetivo e inquestionável efeito sobre os custos inerentes à execução do contrato, configura fato de efeitos incalculáveis. Por isso, aplica-se a disciplina do art. 65, II, d da Lei 8666/93(...)”. (JUSTEN Fº., Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Dialética, 2008. p. 727)

    Obrigado,
    Ricardo

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  2. Ricardo,
    meu entendimento pela ilegalidade de condicionar o reajuste e a repactuação se funda no fato de que, se há previsão no edital e no contrato para sua realização após o prazo legal de 12 meses, e se essa previsão é obrigatória, não cabe nenhum outro ato administrativo após o decurso do referido lapso, senão a concessão. Já a revisão, por não ter prazo concessivo, em decorrência da imprevisibilidade de suas causas, necessita de solicitação do contratado, até porque, como costumo dizer, "a Administração não possui bola de cristal". É preciso que o contratado informe e comprove o fato, sua repercussão na execução e a dimensão dela.
    Essa análise, penso, cabe independentemente do que tenha ensejado a revisão ou repactuação, passando ao largo da discussão sobre se o aumento de verbas trabalhistas e causa de uma ou de outra.
    Abraços!

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  3. Muito bom o posicionamento da Gabiela sobre a repactuação e muito bem colocado o assunto de "Revisão" pelo Ricardo. Como profissional da área tenho muita dificuldade de convecer os setores jurídicos dos órgãos na qual meus clientes tem contrato, pois muito deles ainda acham, que a repactuação só pode ser feita 12 meses após a assinatura do contrato e não 12 meses após a última Convenção, Acordo ou Dissídio coletivo do trabalho.

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  4. Concordo plenamente com ambos. Inclusive no meu órgão não esperamos manifestação do contratado, informamos a ele sobre a possibilidade. Porém, realizamos nova pesquisa de mercado para verificar a adequação.
    Talvez o TCU esteja se pautando em eventos cronológicos. Ou seja, se uma contratada optasse por uma repactuação ao término de 12 meses, talvez não fosse vantajoso para a Administração e aí, abrir-se-ia uma possibilidade de não renovação. Assim, ela não pede, mas, passado aquele período, tornasse vantajoso para a contratada, que, agora, passados 6 meses, neste exemplo, iria receber os valores repactuados retroativamente.
    Foi apenas uma suposição.
    Lembro que há um tempo, antes desse acórdão, muitas contratadas deixavam passar alguns meses para pedir o reajuste e isso prejudicava nosso planejamento orçamentário.
    Foi devido a essa necessidade que passamos a reajustar "automaticamente".
    Abraço.

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