terça-feira, 22 de março de 2011

Prorrogação da vigência de contratos - Aplicação extensiva do inc. II do art. 57 a contratos de fornecimento - Entendimento do TCU

Sabe-se que os contratos de fornecimentos não se encontram entre as hipóteses legais de prorrogação e prazo de vigência para além do exercício financeiro em que são celebrados. Confomre estabelece o art. 57, a regra é a vinculação da vigência ao respectivo crédito orçamentário, exceto para os casos enumerados em seus incisos, quais sejam, contratos cujos objetos que estejam contemplados nas metas previstas no PPA, contratos para prestação de serviços considerados de natureza continuada, contratos para utilização de programas de informática e locação de equipamentos e, ainda, mais recentemente, incluído pela Lei 12.349/2010 (conversão da MP 495), contratos que caracterizarem as hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVII e XXXI do art. 24 da Lei 8.666. Assim, ajustes que tiverem por objeto o fornecimento de bens, ainda que durante um determinado período de tempo (ex.: fornecimento diário de leite a creches municipais), a rigor, não podem perdurar para além do crédito orçamentário vigente no momento de sua formalização.

Essa regra sempre suscitou questionamentos, especialmente no que concerne às seguintes conclusões extraídas do texto legal: a) se não é possível prorrogar contratos de fornecimento para além de 31 de dezembro do respectivo ano de celebração (quando se encerra a vigência da Lei Orçamentária Anual - LOA), então também não é possível celebrar tais contratos abarcando mais de um exercício financeiro (ex.: de outubro de um ano a outubro de outro), acarretando ilegalidade de uma atuação administrativa corriqueira; b) contratos de fornecimento de produtos essenciais ao funcionamento da Administração ou ao exercício de sua atividade fim devem ser celebrados anualmente, mediante realização do devido procedimento licitatório, a despeito de, em certos casos, serem tão ou mais importantes que serviços considerados de natureza continuada. Ambos os temas não comportam aprofundamento no presente momento, sob pena de desviar o foco do post.  A conclusão contida na letra´"a" será discutida em  outra postagem e a da letra "b", relacionada ao assunto em debate, servirá apenas para ancorar o desenvolvimento da abordagem, não sendo avaliada de forma crítica, o que igualmente ficará para uma postagem específica. 

O Tribunal de Contas da União, no Acórdão 766/2010, decidou “admitir, em caráter excepcional, com base em interpretação extensiva do disposto no inciso II do artigo 57 da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, que as contratações para aquisição de fatores de coagulação sejam consideradas como serviços de natureza contínua”. Na fundamentação, o Ministro Relator, José Jorge, destacou a responsabilidade e competência do TCU para "não só identificar e conhecer todo o processo que regula a compra, aplicação e distribuição de tais substâncias, como também recomendar soluções factíveis e permanentes para questão tão sensível, qual seja, a oferta insuficiente de hemoderivados adquiridos de forma centralizada pelo Ministério da Saúde, e que atinge diretamente cerca de doze mil pessoas em todo o país". Assim, diante "das  crises de abastecimento e da falta de regularidade na distribuição dos medicamentos", salientou que a interrupção do fornecimento afeta diretamente a execução do serviço de tratamento, considerado de natureza continuada.

O decisum é um marco na jurisprudência daquela Corte. Em afinado exercício da hermenêutica jurídica (ciência da interpretação das leis), estendeu os efeitos de uma norma rigorosamente aplicada a contratos de prestação de serviço, e de natureza continuada, a contratos cujo objeto é o fornecimento de bens necessários à prestação do serviços de natureza continuada, qual seja, o atendimento a hemofílicos. Entretanto, é necessário extremo cuidado para que o julgado em questão não seja utilizado irrestritamente como fundamentação para prorrogações de contratos de fornecimento. Note-se  que os mencionados serviços não são meros serviços de natureza continuada em sentido estrito, configurando serviço público prestado pelo Estado em caráter não exclusivo (saúde) - o que poderia ser categorizado como serviço de natureza continuada em sentido lato. E é para esse ponto que devem convergir todas as cautelas. A aplicação extensiva ocorreu em caráter excepcional para uma dada situação concretamente analisada, qual seja, o fornecimento de hemoderivados, atividade cuja interrupção prejudica o desempenho de atividades fim do Estado. Portanto, são duas as premissas: a) a aplicação extensiva depende de análise do caso e suas circunstâncias; b) a aplicação extensiva poderá se dar, excepcionalmente, apenas para realizar interesse público primário, da mais alta relevância.

Desse modo, conforme me parece, o entendimento do TCU ora comentado não permite a conclusão generalizada de que contratos de fornecimento de bens podem ser prorrogados nos termos do inc. II do art. 57, se demonstrada a continuidade da necessidade. O extrapolamento dos limites contidos no caput do art. 57 e no seu inc. II - a vinculação ao crédito orçamentário, ressalvados os contratos de prestação de serviço de natureza continuada - estaria autorizado para aquele caso, em que se mostra necessário à defesa do interesse público primário (interesse coletivo).



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