quarta-feira, 27 de março de 2013

Efeitos da suspensão do direito de licitar: como o edital deve disciplinar a questão?

Como deve ser a redação do edital no tocante aos efeitos da sanção de suspensão do direito de licitar, prevista no inc. III do art. 87 da Lei nº 8.666/93?

O Informativo de Licitações do TCU nº 144 noticia o seguinte julgado:
 
"As sanções de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, previstas no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, alcançam apenas o órgão ou a entidade que as aplicaram. A falta de precisão em cláusula de edital de licitação, de tal modo que deixe de explicitar tal limite, justifica a suspensão cautelar do respectivo certame
  
Representação formulada por empresa apontou possível irregularidade no edital do Pregão Eletrônico nº 013, realizado pela Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal, que tem por objeto a contratação de empresa especializada em serviços de manutenção de instalações civis, hidrossanitárias e de gás e rede de distribuição do sistema de combate a incêndios. A representante requereu a suspensão cautelar sob o argumento de que o item 2.2, “c”, do edital seria ilegal, “pois uma sanção aplicada por administração estadual ou municipal, com fulcro na Lei 10.520/2002, onde não exista empenho de verba federal, não tem o poder de retirar eventuais proponentes de certames federais ...”. Consoante disposto no edital, estavam impedidas de participar do certame, empresas “suspensas temporariamente de participar em licitações e contratar com a Administração” – grifou-se. A unidade técnica ressaltou que a sanção de suspensão temporária, prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/93, alcança somente o órgão que a aplicou. Destacou ainda que a cláusula do edital é imprecisa ao não se referir expressamente à “Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal”, mas sim à “Administração”, o que pode vir a impedir a participação de empresas que, “embora tenham sido apenadas por órgãos estaduais ou municipais com base na lei do pregão, não estão impedidas de participar de licitações no âmbito federal”. O Relator, em linha de consonância com a unidade técnica, ao considerar presentes os pressupostos para a concessão da cautelar, determinou à Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal que suspenda a realização do certame até que o Tribunal delibere definitivamente sobre o mérito das questões suscitadas na representação." (Comunicação de Cautelar, TC 006.675/2013-1, relator Ministro Raimundo Carreiro, 20.3.2013.) -
 
A decisão reafirma a (mais) atual posição do TCU sobre a abrangência dos efeitos da sanção de suspensão do direito de licitar prevista no inc. III do art. 87: apenas ao órgão ou entidade que a aplicou (Acórdão nº 3.243/2012-Plenário). Faz, contudo, uma certa confusão entre essa sanção e a sanção do impedimento, prevista no art. 7º da Lei nº 10.520, que instituiu a modalida pregão. Nesse caso, e segundo a doutrina dominante, a própria Lei estabeleceu o limite para os efeitos da sanção, qual seja, a esfera de governo - federal, estadual ou municipal - do órgão ou entidade que a aplicou. Espero que esse detalhe não passe desapercebido. 
 
De qualquer modo, o que está em discussão é como o edital deverá disciplinar a questão. É, certamente, insuficiente a mera transcrição do inc. III do art. 87,  já que o conteúdo e a colocação da expressão "Administração" no texto da referida regra não é consenso nem no âmbito do próprio Tribunal, além de fomentar debates infindáveis na doutrina.
 
Lembro que no Acórdão nº 902/2012-Plenário, depois de algumas "idas e vindas", a Corte de Contas federal deixou claro que, diante da falta de unanimidade, competiria à Administração promotora da licitação "escolher" sua linha de entendimento (a ser adotada em todo e qualquer caso) e disciplinar a questão no edital. Então, ao que tudo indica, a deliberação final sobre o mérito da questão deverá ser no sentido de que a previsão do edital seja clara e precisa o suficiente para possibilitar a identificação da linha de entendimento adotada pela Administração que realiza a licitação.
  

quarta-feira, 20 de março de 2013

Declaração de inidoneidade não pode ser aplicada aos sócios


Informativo de Licitações e Contratos do TCU nº 143
 
Acórdão 495/2013-Plenário
 
A declaração de inidoneidade para participar de licitação, prevista no art. 46 da Lei 8.443/92, não pode ser aplicada aos sócios e administradores, nem a futuras empresas constituídas com o mesmo quadro societário de empresas declaradas inidôneas
 
Representação apurou a responsabilidade de empresas envolvidas nas fraudes às licitações verificadas na “Operação Sanguessuga”. O Relator, ao considerar que os elementos trazidos aos autos são suficientes a comprovar a sua participação nas fraudes levantadas ...”, acolheu, em parte, as propostas formuladas pela unidade técnica, dentre as quais a declaração de inidoneidade das empresas do Grupo Planam. Manifestou, contudo, divergência em relação à proposta de declaração de inidoneidade dos sócios e/ou administradores e de futuras sociedades constituídas pelo mesmo quadro societário.
 
No intuito de justificar seu posicionamento, fez referência à doutrina e à precedente do STJ no sentido de que “A desconsideração da personalidade societária ... deve ser precedida de processo administrativo específico, em que sejam assegurados a ampla defesa e o contraditório a todos os interessados”. Recorreu ao Acórdão 2.549/2008 - Plenário, segundo o qual não é possível declarar a inidoneidade dos sócios de determinada empresa, em vista do disposto no art. 46 da Lei 8.443/92, que menciona apenas o licitante como destinatário da sanção. Invocou ainda o Acórdão 2.809/2009 – Plenário, que “entendeu ser solução jurídica inadequada estender a futuras empresas que viessem a ser criadas as penalidades impostas a empresas envolvidas em conluio”. Isso porque “tais empresas sequer existem no mundo jurídico, não lhes tendo sido assegurados, previamente à aplicação da sanção proposta, os direitos constitucionais ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório”.
 
Ao se reportar ao caso concreto, concluiu, em relação a futuras sociedades constituídas que, “decretada a inidoneidade das empresas do grupo Planam, a Administração poderá proibir a participação de empresas constituídas, após a apenação, com o mesmo objeto e que tenham em seu quadro societário qualquer dos responsáveis ouvidos nestes autos ou seus parentes, até o terceiro grau. Nesse caso, poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica para estender os efeitos da sanção imposta pelo TCU a eventuais empresas fundadas com o intuito de ultrapassar a proibição de licitar com a Administração Pública ...desde que adotadas as providências essenciais para tal”. Ressaltou, ainda, que podem ser desenvolvidos mecanismos destinados a coibir a burla relacionada à declaração de inidoneidade de empresas, como o aperfeiçoamento do cadastro do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG. O Tribunal, então, ao acolher proposta do relator, decidiu declarar a inidoneidade apenas das empresas do grupo Planam, com fundamento no artigo 46 da Lei 8.443/1992.
 
Decidiu ainda recomendar ao MPOG a adoção de providências necessárias à inibição da participação, em futuras licitações, de sócios e/ou administradores das empresas declaradas inidôneas. Precedentes citados: Acórdão 2.549/2008 e 2.809/2009, ambos do Plenário.

Participação simultânea de empresas com sócios comuns em licitação

Informativo de Licitações e Contratos do TCU nº 143
 
Acórdão 526/2013-Plenário
 
A participação simultânea de empresas com sócios comuns em licitação não afronta a legislação vigente e somente merece ser considerada irregular quando puder alijar do certame outros potenciais participantes, como nos casos de: a) convite; b) contratação por dispensa de licitação; c) existência de relação entre as licitantes e a empresa responsável pela elaboração do projeto executivo; d) contratação de uma das empresas para fiscalizar serviço prestado por outra

Auditoria realizada nos Departamentos Nacionais do Serviço Social da Indústria (Sesi/DN) e do Serviço de Nacional Aprendizagem Industrial (Senai/DN) avaliou a regularidade dos processos licitatórios e os respectivos contratos de aquisição de bens e prestação de serviços. Foram apontadas possíveis fragilidades no planejamento de contratações, adoção de critérios restritivos de habilitação de licitantes, falhas em fiscalização de contratos e outros indícios de irregularidades. Destaque-se, entre elas, a suposta ilicitude consistente no impedimento de participação de empresas com sócios comuns em licitações promovidas por essas entidades. 
 
O relator anotou, a esse respeito, que “nem os regulamentos próprios das entidades nem a Lei n. 8.666/1993 vedam essa situação”. E mais: “A interpretação teleológica da legislação, especialmente a do princípio da igualdade de condições a todos os interessados, conduz ao entendimento de que o concurso de licitantes pertencentes a sócios comuns somente é irregular quando puder alijar do certame outros potenciais participantes”.
 
Acrescentou que, de acordo com o precedente revelado pelo Acórdão 297/2009 – Plenário, a participação simultânea de empresas que tenham sócios comuns em um mesmo certame configuraria irregularidade nos casos de: “a) convite; b) contratação por dispensa de licitação; c) existência de relação entre as licitantes e a empresa responsável pela elaboração do projeto executivo; d) contratação de uma das empresas para fiscalizar serviço prestado por outra”.
 
O relator consignou, porém, que, nos processos em que tal exigência indevida foi identificada, não houve exclusão de nenhuma empresa por essa razão, nem foram apontados indícios de conluio ou fraude. Levou em conta, ainda, a informação fornecida pelo Sesi/DN e Senai/DN de que não mais incluem em seus editais cláusula com tal conteúdo restritivo, em respeito a deliberação já proferida pelo Tribunal, por meio da qual ratificou-se medida cautelar que determinara a suspensão de outros certames conduzidos por tais entidades, em razão de ilegalidade dessa mesma natureza (Acórdão n. 2.341/2011-P).
 
O Tribunal, então, em face de falhas outras identificadas na auditoria decidiu efetuar recomendações e determinações aos Sesi/DN e Senai/DN, e deixou de expedir determinação corretiva acerca do quesito acima destacado, tendo em vista a informação de que a referida vedação não mais tem sido inserida em editais dessas entidades.
 

Terceirização de serviços e atividade fim

As atividades que podem ser terceirizadas sempre foram objeto de polêmica, especialmente para as sociedades de economia mista, prestadoras de serviço ou exploradoras de atividade econômica. Não estamos falando daquelas atividades que são claramente meio, como as descritas no Decreto federal nº 2.271/97, mas outras que, necessárias ao desempenho da atividade fim, não são exatamente a atividade fim. Um exemplo clássico é a instalação de postes de luz com a finalidade de conduzir a rede de iluminação pública, cujo fornecimento de energia elétrica é atividade fim de uma dada concessionária.

No setor privado, há muito tempo a questão vem sendo discutida. O problema é o mesmo, embora em ambientes normativos distintos. A própria Súmula 331 do TST teve nascedouro nos desvios da terceirização protagonizados por empresas privadas, inicialmente objetos da Súmula 256 . Já se reconheceu que os "promotores de venda" terceirizados que trabalham na captação de clientes dentro das agências, "ombro a ombro" com funcionários do banco, devem ter seu vínculo de emprego reconhecido, sendo ilícita a terceirização (salvo no caso de se tratarem de correspondentes bancários, conforme Resolução 2.707/2000 do BACEN) sob pena de esvaziar a noção de atividade bancária. Isso, ainda que possam ser consideradas atividades materiais e acessórias, com relevância distinta daquelas desempenhadas por um caixa e um gerente de conta, por exemplo. A hipótese dos postes de luz expressa dilema similar: a atividade-fim da concessionária é o fornecimento de energia elétrica, mas como definir as atividades que, relacionadas a ela, podem ser consideradas meio?
 
O ilustre ministro do TST Ives Gandra Martins Filho é autor de um texto que considero extremamente esclarecedor - aliás, de onde extraí a informação acima - e usa o seguinte exemplo: "no caso da instalação e manutenção das linhas telefônicas, estas são o meio através do qual a telecomunicação se dá. O que a concessionária oferece é a telecomunicação. O meio físico pode ser construído, montado e conservado por empresas terceirizadas. Pretender que a instalação e manutenção das linhas telefônicas seja atividade-fim da empresa concessionária é o mesmo que dizer que as máquinas de uma fábrica de automóveis devem ser fabricadas por elas mesmas, como algo inerente à sua atividade." (Revista Consultor Jurídico, 26 de outubro de 2011 - acesso pelo link http://www.conjur.com.br/2011-out-26/audiencia-publica-tst-mudou-rumos-jurisprudencia-terceirizacao)
 
Em uma comparação objetiva, apenas considerando a natureza das atividades, é difícil distinguir, não? No primeiro caso, aquelas específicas atividades são consideradas tipicamente bancárias pela norma editada pelo BACEN, o que simplifica a questão. Contudo, qual seria a solução se aludida norma não existisse? Como diferenciar ambas as situações, sob o prisma da atividade, pura e simplesmente?
 
A questão fica mais complexa quando se pensa na realidade de algumas atividades, serviços públicos ou não. A terceirização acaba sendo um meio de obter bons resultados, decorrentes da especialidade dos serviços prestados pelo terceiro, além de mostrar-se economicamente mais vantajosa. Voltemos à hipótese da instalação dos postes de luz pela concessionária do fornecimento de energia elétrica. A prestação desses serviços apenas se justificaria nas situações de expansão de rede ou de sua manutenção. Supondo-se a inviabilidade da terceirização desses serviços, o que fazer com o funcionário que, em princípio, seria contratado para tais atividades? O exemplo, rigorosamente, pode ser falho em detalhes, até pelo desconhecimento de eventuais atividades correlatas que pudessem ser desempenhadas. Mas o objetivo é levar ao raciocínio sobre as dificuldades geradas pela concepção ampliativa da atividade-fim e para a aplicação do princípio constitucional da eficiência, além da razoabilidade e da proporcionalidade. Por outro lado, a terceirização pode ser prejudicial ao trabalhador e à própria Administração Pública em diversos aspectos, inclusive relacionados à  proteção pelo (não) uso de equipamentos obrigatórios, gerando risco de responsabilização e prejuízo ao erário.
 
Em 2010, em uma decisão de grande repercussão (Acórdão nº 2.132/2012) proferida em um processo de auditoria, o TCU determinou prazo às estatais para que as substituíssem os terceirizados que atuavam em atividades finalísticas. Em 2012, o Acórdão nº 2.303/2012 teve a finalidade de monitorar o cumprimento daquele, constatando que a situação de irregularidade permanecia na grande maioria das empresas auditadas. Na ocasião do primeiro Acórdão, a unidade técnica constatou, em contrados da Petrobrás, que muitos dos serviços terceirizados estivavam ligados a atividades-fim, mas não era possível verificar a presença de conteúdo sensível ou estratégico, o que autorizava a terceirização. O que as tornava irregulares, todavia, era a presença de fortes indícios de habitualidade, pessoalidade e subordinação na relação de alguns trabalhadores das prestadoras com a contratante, Petrobrás.
 
Seguindo nessa mesma linha, o Acórdão nº 721/2013-1ª Câmara, divulgado no último Informativo de Licitações e Contratos do TCU, determinou: 
 
Ementa: determinação à Superintendência Regional do DNIT no Estado de Santa Catarina para que se abstenha de terceirizar as atividades que devem ser desempenhadas pelos profissionais relacionados no Plano de Cargos e Salários do DNIT (Lei nº 11.171/2005), de caráter rotineiro, finalístico ou crítico para os resultados institucionais, entre estas a utilização dos sistemas corporativos do órgão, como a alimentação de sistemas, que são enquadradas como atividades administrativas e logísticas de nível intermediário, observando o disposto no Decreto nº 2.271/1997, em especial as vedações para serviços atinentes à sua atividade-fim e aos cargos pertencentes ao quadro de pessoal próprio, bem como para atividades que impliquem subordinação dos empregados de empresas contratadas à administração do órgão contratante (item 1.7.1).
 
Desse modo, em tese, em caso de dúvida sobre a atividade que se pretender terceirizar - pressupondo-se, logicamente, que ela não corresponda a atividade inerente às previstas no plano de cargos e salários - será suficiente analisar o grau de sua ligação com a atividade fim, considerando possíveis repercussões nos resultados institucionais decorrentes do conteúdo da atividade. A desnecessidade de subordinação dos empregados à Administração seria uma consequência da possibilidade de transferir a responsabilidade dos serviços para terceiros. Em tese.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

terça-feira, 19 de março de 2013

O novo SRP federal (Decreto 7.892/2013) - Parte I: serviços de engenharia, informática, contínuos e sob regime de tarefa

Prezados amigos,
 
A partir de hoje publicarei partes de um artigo de minha autoria sobre o novo SRP federal, modificado pelo Decreto nº 7.892/2013. O artigo será publicado na Revista Zênite de Licitações e Contratos - ILC do mês de junho.
 
Aguardo reflexões e comentários.
 
Abs,
Gabriela



O novo Sistema de Registro de Preços Federal

Análise crítica considerando repercussões possíveis 


Considerações iniciais 
Diante do novo regramento federal sobre o sistema de registro de preços, o Decreto nº 7.892/2103, é fundamental repensar algumas questões e avaliar outras, que tiveram nascedouro nas próprias mudanças implementadas. 

Sob o enfoque formal, o texto possui boa redação em comparação com o Decreto nº 3.931/2001. Talvez porque, com o sistema operando na prática há mais de 10 anos, tenha sido mais fácil reorganizar sua disciplina legal, tomando como parâmetro as práticas de sucesso e usando, para aperfeiçoar imprecisões e dirimir questões omissas, as orientações da doutrina e da jurisprudência produzidas a partir da norma anterior. Sob o enfoque material, a nova norma corrigiu imprecisões e trouxe mudanças, algumas significativas, outras não. Criou regras, algumas das quais não representaram, em absoluto, novidades, eliminando outras, especialmente relacionadas às competências dos órgãos envolvidos, fomentando a dúvida sobre se deixaram, simplesmente, de existir.

É precipitado tentar prever problemáticas relacionadas à eficácia desse novo ato normativo. As grandes questões talvez não se encontrem visíveis nesse momento, devendo surgir no decorrer da aplicação do Decreto, como acontece sempre que uma nova regra é integrada à ordem jurídica. Contudo, algumas ponderações podem ser feitas imediatamente, de modo cauteloso e, certamente, sujeitas a futuras correções e evolução de entendimento. Vamos a elas.

1 Polêmicas relacionadas ao cabimento do SRP 
1.1 Serviços de engenharia e bens e serviços de informática
De acordo com a definição do SRP contida no art. 2º, inc. I, o sistema se destina a serviços e compras. A descrição afasta qualquer dúvida sobre a impossibilidade de registrar preços para obras, que pudesse existir apesar de manifestações doutrinárias nesse sentido. Deixa, contudo, aberta a questão sobre os serviços de engenharia, mais ou menos como fez o Decreto que regula em âmbito federal o pregão na forma eletrônica, nº 5.450/05, no seu art. 2º. Nesse caso, desde que se enquadrem na categoria de “serviços comuns” descritos no §1º do mesmo artigo, poderão ser licitados dessa forma. O TCU aplacou a polêmica inicial manifestando-se favorável ao pregão para serviços de engenharia comuns, mantendo-se nessa linha e editando a Súmula nº 257/2010: “O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na lei nº 10.520/2002.”

No caso do SRP, em princípio, a indagação persiste. Ao menos, não encontra resposta clara no Decreto que passou a viger. A nova redação do art. 3º, que prevê as hipóteses de adoção do SRP, traz pouca diferença em relação à redação anterior. Com exceção do inciso IV, não parte da natureza do objeto, mas, sim, da necessidade da Administração para estabelecer as situações de cabimento. No Acórdão nº 296/2007 - 2ª Câmara, o TCU foi contrário ao SRP para obras e serviços de engenharia. Em manifestação mais recente, no Acórdão 2006/2012-Plenário, a Corte entendeu que o sistema “é adequado àquelas compras e serviços mais simples e rotineiros, ou seja, que podem ser individualizados por meio de descrição simplificada e sucinta, sem complexidades, o que não se verifica na pretensa contratação, cujo escopo tratava de serviços técnicos especializados”. O caso concreto se referia à contratação de elaboração de projeto de engenharia e arquitetura, que “envolve alta atividade intelectual e resulta em produto único, não passível de repetição”, com o que, obviamente, concordamos. Contudo, tendo-se em vista serviços de engenharia comuns, para os quais é cabível inclusive o pregão, nada obstaria que houvesse prévio registro de preços também para esses, desde que houvesse o enquadramento nas hipóteses do art. 3º do Decreto nº 7.892/2013.

Em relação aos objetos de informática, bens ou serviços, não foi repetida no novo Decreto a regra contida no parágrafo único do art. 2º do Decreto anterior, no sentido da possibilidade, se devidamente justificada e caracterizada a vantagem econômica. O critério de julgamento seria a técnica e preço, quando não se tratassem de bens ou serviços comuns, o qual continua sendo admitido pelo novo Decreto, em caráter excepcional, devidamente fundamentado. O TCU não fazia qualquer oposição às contratações via SRP durante a vigência do Decreto nº 3.931/01. Na Comunicação ao Plenário exarada no processo TC-032.116/2011-0, em 7.12.2011, analisou aspectos de um pregão para SRP visando aquisição de equipamentos de informática, permanecendo silente acerca de uma possível ilegalidade. Ao que parece, não há motivos para mudança de entendimento.

1.2 Contratação de serviços remunerados em regime de tarefa
O regime de tarefa é definido pela Lei nº 8.666/93 como aquele em que “se ajusta mão-de-obra para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais” (art. 6º, inc. VIII, “d”). A redação substituiu, finalmente, a equivocada previsão de uso do SRP “por conveniência administrativa pura”, expressa na “contratação de serviços necessários à Administração para o desempenho de suas atribuições”.

É bastante apropriada a utilização do SRP para esses casos, pois o surgimento exato da necessidade desses serviços não se pode precisar. Rigorosamente, a hipótese já estaria abarcada pelos inc. I ou IV do novo art. 3º.

1.3 Prestação de serviços de natureza continuada
Com a retirada da hipótese de “conveniência administrativa pura”, acima mencionada, parece-nos ter sido, finalmente, extinta a previsão que possibilitava o enquadramento do SRP para serviços de natureza continuada. 

A hipótese prevista no inc. III, “quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade” considera, implicitamente, que um mesmo fornecedor atenderá a todos, situação absolutamente inviável no caso de tais serviços. Poder-se-ia argumentar que os demais participantes do SRP seriam atendidos pelos outros fornecedores que assinassem a ata dispondo-se a praticar o mesmo preço. Contudo, essa situação é imprevisível, não havendo como saber, no momento da licitação, se haverão outros. Ademais, a assinatura da ata por outros fornecedores, como dito no próprio Decreto, é apenas para fins de “cadastro de reserva”, sem prejuízo do vencedor da licitação. 

quinta-feira, 7 de março de 2013

RDC - TCU - Abertura do sigilo do orçamento

"Nas licitações regidas pelo RDC é possível a abertura do sigilo do orçamento na fase de negociação de preços com o primeiro colocado, desde que em ato público e devidamente justificado.

Ainda no âmbito da auditoria realizada em obras no Aeroporto Internacional de Salvador/BA, o diretor da unidade técnica encarregada da instrução do processo apontou possível quebra de sigilo do orçamento na fase de negociação efetuada após a definição da melhor proposta da fase de lances. A negociação ocorreu porque o menor lance fora significativamente superior ao valor orçado. Como o valor final negociado representou desconto irrisório (0,023%) em relação ao orçamento da administração, a ocorrência poderia apontar para quebra do sigilo do orçamento em benefício da empresa licitante e em prejuízo à obtenção de proposta mais vantajosa. O relator considerou não haver elementos materiais mínimos para corroborar a ocorrência da irregularidade. Considerou também que, não obstante o momento da publicação do orçamento estar previsto na Lei 12.462/2011 (imediatamente após o encerramento da licitação, art. 6º) e no Decreto 7.581/2011 (imediatamente após a adjudicação do objeto, art. 9º), a questão merece cautela, notadamente por se tratar de novidade em matéria licitatória, pois “existem situações em que não vislumbro como manter, de modo judicioso e a estrito rigor, o sigilo na fase de negociação”. Após apresentar situações hipotéticas para corroborar seu entendimento, concluiu: para se “fazer valer a real possibilidade de negociar, desde que em ato público e devidamente justificado, não vejo, em princípio, reprovabilidade em abrir o sigilo na fase de negociação”. O Tribunal, então, endossou o entendimento do relator quanto a essa questão. Acórdão 306/2013-Plenário, TC 039.089/2012-6, relator Ministro Valmir Campelo, 27.2.2013."
 
Extraído do Informativo de Licitações e Contratos do TCU, nº 141