quarta-feira, 20 de março de 2013

Terceirização de serviços e atividade fim

As atividades que podem ser terceirizadas sempre foram objeto de polêmica, especialmente para as sociedades de economia mista, prestadoras de serviço ou exploradoras de atividade econômica. Não estamos falando daquelas atividades que são claramente meio, como as descritas no Decreto federal nº 2.271/97, mas outras que, necessárias ao desempenho da atividade fim, não são exatamente a atividade fim. Um exemplo clássico é a instalação de postes de luz com a finalidade de conduzir a rede de iluminação pública, cujo fornecimento de energia elétrica é atividade fim de uma dada concessionária.

No setor privado, há muito tempo a questão vem sendo discutida. O problema é o mesmo, embora em ambientes normativos distintos. A própria Súmula 331 do TST teve nascedouro nos desvios da terceirização protagonizados por empresas privadas, inicialmente objetos da Súmula 256 . Já se reconheceu que os "promotores de venda" terceirizados que trabalham na captação de clientes dentro das agências, "ombro a ombro" com funcionários do banco, devem ter seu vínculo de emprego reconhecido, sendo ilícita a terceirização (salvo no caso de se tratarem de correspondentes bancários, conforme Resolução 2.707/2000 do BACEN) sob pena de esvaziar a noção de atividade bancária. Isso, ainda que possam ser consideradas atividades materiais e acessórias, com relevância distinta daquelas desempenhadas por um caixa e um gerente de conta, por exemplo. A hipótese dos postes de luz expressa dilema similar: a atividade-fim da concessionária é o fornecimento de energia elétrica, mas como definir as atividades que, relacionadas a ela, podem ser consideradas meio?
 
O ilustre ministro do TST Ives Gandra Martins Filho é autor de um texto que considero extremamente esclarecedor - aliás, de onde extraí a informação acima - e usa o seguinte exemplo: "no caso da instalação e manutenção das linhas telefônicas, estas são o meio através do qual a telecomunicação se dá. O que a concessionária oferece é a telecomunicação. O meio físico pode ser construído, montado e conservado por empresas terceirizadas. Pretender que a instalação e manutenção das linhas telefônicas seja atividade-fim da empresa concessionária é o mesmo que dizer que as máquinas de uma fábrica de automóveis devem ser fabricadas por elas mesmas, como algo inerente à sua atividade." (Revista Consultor Jurídico, 26 de outubro de 2011 - acesso pelo link http://www.conjur.com.br/2011-out-26/audiencia-publica-tst-mudou-rumos-jurisprudencia-terceirizacao)
 
Em uma comparação objetiva, apenas considerando a natureza das atividades, é difícil distinguir, não? No primeiro caso, aquelas específicas atividades são consideradas tipicamente bancárias pela norma editada pelo BACEN, o que simplifica a questão. Contudo, qual seria a solução se aludida norma não existisse? Como diferenciar ambas as situações, sob o prisma da atividade, pura e simplesmente?
 
A questão fica mais complexa quando se pensa na realidade de algumas atividades, serviços públicos ou não. A terceirização acaba sendo um meio de obter bons resultados, decorrentes da especialidade dos serviços prestados pelo terceiro, além de mostrar-se economicamente mais vantajosa. Voltemos à hipótese da instalação dos postes de luz pela concessionária do fornecimento de energia elétrica. A prestação desses serviços apenas se justificaria nas situações de expansão de rede ou de sua manutenção. Supondo-se a inviabilidade da terceirização desses serviços, o que fazer com o funcionário que, em princípio, seria contratado para tais atividades? O exemplo, rigorosamente, pode ser falho em detalhes, até pelo desconhecimento de eventuais atividades correlatas que pudessem ser desempenhadas. Mas o objetivo é levar ao raciocínio sobre as dificuldades geradas pela concepção ampliativa da atividade-fim e para a aplicação do princípio constitucional da eficiência, além da razoabilidade e da proporcionalidade. Por outro lado, a terceirização pode ser prejudicial ao trabalhador e à própria Administração Pública em diversos aspectos, inclusive relacionados à  proteção pelo (não) uso de equipamentos obrigatórios, gerando risco de responsabilização e prejuízo ao erário.
 
Em 2010, em uma decisão de grande repercussão (Acórdão nº 2.132/2012) proferida em um processo de auditoria, o TCU determinou prazo às estatais para que as substituíssem os terceirizados que atuavam em atividades finalísticas. Em 2012, o Acórdão nº 2.303/2012 teve a finalidade de monitorar o cumprimento daquele, constatando que a situação de irregularidade permanecia na grande maioria das empresas auditadas. Na ocasião do primeiro Acórdão, a unidade técnica constatou, em contrados da Petrobrás, que muitos dos serviços terceirizados estivavam ligados a atividades-fim, mas não era possível verificar a presença de conteúdo sensível ou estratégico, o que autorizava a terceirização. O que as tornava irregulares, todavia, era a presença de fortes indícios de habitualidade, pessoalidade e subordinação na relação de alguns trabalhadores das prestadoras com a contratante, Petrobrás.
 
Seguindo nessa mesma linha, o Acórdão nº 721/2013-1ª Câmara, divulgado no último Informativo de Licitações e Contratos do TCU, determinou: 
 
Ementa: determinação à Superintendência Regional do DNIT no Estado de Santa Catarina para que se abstenha de terceirizar as atividades que devem ser desempenhadas pelos profissionais relacionados no Plano de Cargos e Salários do DNIT (Lei nº 11.171/2005), de caráter rotineiro, finalístico ou crítico para os resultados institucionais, entre estas a utilização dos sistemas corporativos do órgão, como a alimentação de sistemas, que são enquadradas como atividades administrativas e logísticas de nível intermediário, observando o disposto no Decreto nº 2.271/1997, em especial as vedações para serviços atinentes à sua atividade-fim e aos cargos pertencentes ao quadro de pessoal próprio, bem como para atividades que impliquem subordinação dos empregados de empresas contratadas à administração do órgão contratante (item 1.7.1).
 
Desse modo, em tese, em caso de dúvida sobre a atividade que se pretender terceirizar - pressupondo-se, logicamente, que ela não corresponda a atividade inerente às previstas no plano de cargos e salários - será suficiente analisar o grau de sua ligação com a atividade fim, considerando possíveis repercussões nos resultados institucionais decorrentes do conteúdo da atividade. A desnecessidade de subordinação dos empregados à Administração seria uma consequência da possibilidade de transferir a responsabilidade dos serviços para terceiros. Em tese.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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