quinta-feira, 31 de março de 2011

Uma boa discussão: o Sistema de Registro de Preços e a aquisição de quantidade muito inferior à licitada

A Lei 8.666 determina que as compras, sempre que possível, serão processadas mediante sistema de registro de preços. Também determina que ele será precedido de ampla pesquisa de mercado, terá seus preços publicados trimestralmente na imprensa oficial, terá validade de um ano e, por fim, que a existência de preços registrados não obriga à contratação, apenas dá preferência ao detentor do registro em igualdade de condições. Eis os parâmetros e limites legais para a regulamentação do sistema de registro de preços, a qual deve ocorrer por decreto.

Mas, o que é, segundo a Lei, o sistema de registro de preços? A resposta precisa é impossível de ser dada. A Lei não traz características suficientes para definí-lo. Pode-se afirmar, apenas, que se trata de uma espécie de banco de preços que deve balizar as contratações públicas e ser renovado anualmente. A preferência ao detentor do registro seria uma espécie de prêmio pela colaboração privada. A rigor, então, o sistema de registro de preços seria um procedimento destinado a identificar os preços ofertados pelo mercado para determinados objetos, com o objetivo de sua prática nas contratações futuras. Esse, na realidade, era o formato do antigo SIREP, instituído pelo revogado Decreto 449/92. Hoje, o sistema de registro de preços, ou SRP, tem outros contornos. Equivocados? Não, diante do comando aberto da Lei 8.666. Os decretos federais trataram de aperfeiçoar o modelo anterior, que se comprovou falho - ainda que, em certos momentos, extrapolem o mero poder regulamentar.

Contudo, um aspecto da prática do sistema de registro de preços atual causa-me certo desconforto. Diz-se que, registrados os preços, a Administração poderá  realizar contratações em quantidades ínfimas em face da estimativa total. Essa prerrogativa poderia ser verdadeira no contexto do antigo SIREP, mas, acredito, não pode subsistir no atual regramento, pelas seguintes razões:
1. O SRP é implantado mediante processo competitivo - a licitação, na qual os participantes elaboram suas propostas e oferecem seus descontos considerando as quantidades, ainda que estimadas, do objeto;
2. A Constituição da República garante a manutenção das condições efetivas da proposta durante a execução do contrato, garantia que, parece-me, não encontra exceção relacionada à forma como sejam apresentadas, se em licitação convencional ou SRP;
3. A Lei 8.666 proíbe a supressão unilateral do objeto pela Administração em montante acima de 25% sobre o valor inicial atualizado do contrato, conferindo segurança jurídica à relação negocial, princípio que, da mesma forma, não parece comportar exceções.

Ao efetuar aquisições em quantidades irrisórias,  a Administração causa prejuízo econômico ao particular, que elaborou sua proposta considerando o atendimento total ou aproximado da demanda licitada. Quebra-se o que o mercado chama de economia de escala, ou seja, quanto maior a quantidade, menor o preço - e maior a vantagem da Administração. Assim, a Administração se beneficia com a licitação para determinada quantidade estimada, obtendo preços vantajosos, e adquire quantidade muito inferior, em prejuízo do contratado, numa atitute que poder ser chamada de desleal e prejudicial à segurança jurídica, em afronta aos respectivos princípios da Segurança Jurídica e Lealdade entre os Contratantes. E, numa interpretação rigorosa, pode configurar abuso de poder e ilegalidade.

Ademais, ainda que se esteja diante de quantidades meramente estimadas, a quantidade licitada deve ser identificada com vistas a médias anteriores de consumo, ou seja, considerando uma realidade administrativa, e de forma coerente e racional. Não se trata de atividade meramente aleatória da Administração, pois há dever de licitar quantidades aproximadas. Pode-se, conforme entendo, admitir grandes disparidades apenas em casos excepcionais, devidamente justificados.

Observem que não estou falando em engessar quantidades, o que retiraria o propósito do SRP, mas no  uso responsável dessa ferramenta, evitando que seja depreciada e que se torne fonte de reclames justos de indenização - os quais, vale alertar, possuem grandes chances de êxito numa apreciação pelo Poder Judiciário.

Em tempo: o TCU teceu recomendações nesse sentido no Acórdão 1487/2007, escorado em posicionamento de Marçal Justen Filho.

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