sábado, 6 de outubro de 2012

Divulgação do orçamento estimado nas licitações pelo RDC

Questão que tem suscitado polêmica é a referente ao momento em que deve ser divulgado o orçamento estimado da licitação realizada pelo regime diferenciado de contratações públicas – RDC. A dúvida surge em razão de alegada incompatibilidade entre o texto da Lei 12.462/11 e o Decreto 7.581/11, que a regulamenta no âmbito da Administração Pública federal. De acordo com o art. 6º da Lei, o orçamento previamente estimado será tornado público somente após o encerramento da licitação e, estabelecendo, seus arts. 12, inc. VII e 28, caput, que a divulgação ocorrerá após o exaurimento da fase recursal. Já o Decreto, em seu art. 9º, estabelece que a divulgação ocorrerá após a adjudicação. A incompatibilidade é apenas aparente, todavia.

Vejam que o sistema da Lei coloca o ato de adjudicação após o encerramento do processo licitatório, diferente do que estamos acostumados, pensando nesse ato como integrante dele. Observem o teor do art. 28 em conjunto com o art. 6º e o 12:

“Art. 6º Observado o disposto no § 3º, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.”

“Art. 12. O procedimento de licitação de que trata esta Lei observará as seguintes fases, nesta ordem:
I - preparatória;
II - publicação do instrumento convocatório;
III - apresentação de propostas ou lances;
IV - julgamento;
V - habilitação;
VI - recursal; e
VII - encerramento.”

“Art. 28. Exauridos os recursos administrativos, o procedimento licitatório será encerrado e encaminhado à autoridade superior, que poderá:
I - determinar o retorno dos autos para saneamento de irregularidades que forem supríveis;
II - anular o procedimento, no todo ou em parte, por vício insanável;
III - revogar o procedimento por motivo de conveniência e oportunidade; ou
IV - adjudicar o objeto e homologar a licitação.”

Então, ao que me parece, não há extravasamento na regulamentação no que tange a esse aspecto. O orçamento continuará sendo publicado após o encerramento da licitação, que ocorrerá posteriormente ao exaurimento dos recursos como manda a Lei. O Decreto apenas precisou o momento em que isso acontecerá, qual seja, após ajudicação do objeto, a qual também ocorrerá após o exaurimento dos recursos e o encerramento do processo, em conformidade com o art. 28 da Lei.

Não há, portanto, incompatibilidade entre o texto do Decreto e da Lei. Após o encerramento do processo, se a Administração não usar qualquer outra das alternativas que o art. 28 traz nos seus incisos, restará adjudicar e homologar, tão somente. A divulgação do orçamento antes da adjudicação não trará maiores consequências práticas. Notem que o objetivo da divulgação posterior do orçamento, no caso do RDC, é demonstrar, ao final, que o preço a ser contratado está dentro dos parâmetros pesquisados previamente, que não há distorções, excessos, etc. Se os preços ofertados forem incompatíveis, isso já terá sido considerado pela Administração no momento do julgamento das propostas, assim como ocorre nas licitações tradicionais. Poderá, inclusive, anular de ofício o processo caso constate alguma falha grave na orçamentação.

Pensando a questão à luz dos efeitos possíveis, para o interesse público uma falha relacionada aos valores da contratação, constatada antes ou depois da adjudicação, produzirá os mesmos efeitos sobre o processo. O máximo que se poderia alegar, mas que não reflete um consenso, seria a possibilidade de indenizar o particular pelos prejuízos decorrentes da anulação, por culpa da Administração, após já ter-lhe adjudicado o objeto. Então, por prudência, e apenas por isso, seria melhor adjudicar depois da divulgação, para o caso de o processo ter uma reviravolta.

Já os particulares não serão prejudicados porque terão oportunidade de se manifestar na fase recursal quanto a inconsistências na formação dos preços do vencedor, o que não depende, certamente, de terem conhecimento do orçamento elaborado pela Administração.

Pensando a questão sob o ponto de vista prático da licitação, imaginemos a hipótese de inabilitação do primeiro colocado, levando à comissão de licitação à análise da proposta de preços e dos documentos do segundo colocado. A divulgação deveria ocorrer antes ou depois dessa segunda análise? E mais, se houvesse inabilitação sucessiva de outros licitantes e o certame se demorar a encerrar? O raciocínio não muda. Enquanto o certame não for encerrado e, para o Decreto, enquanto não adjudicado o objeto ao vencedor, definitivamente, o orçamento não será divulgado. Essas hipóteses suscitadas se referem a um risco normal da licitação - a inabilitação de competidores - e também comportam, obviamente, os respectivos e oportunos recursos, com adjudicação ao final, após o necessário julgamento. Então, não há um elemento que as peculiarize a ponto de suscitar a inaplicabilidade da tese defendida: o orçamento será divulgado ao final de tudo, apenas para mostrar que os preços são compatíveis. Mesmo considerando o rito do RDC, com a inversão das fases, não há reparos a serem feitos.

É fundamental observar que a Lei não determina que o orçamento serja divulgado antes da análise dos documentos do segundo colocado, mas sim que, após o “exaurimento” dos recursos administrativos, "o procedimento licitatório será encerrado e encaminhado à autoridade superior, que poderá... IV - adjudicar o objeto e homologar a licitação." Ora, apenas pressupõe-se a adjudicação após o exaurimento de todos os recursos, inclusive os eventualmente referentes à documentação do 2º, 3º, 4º colocado, se for o caso. Poderíamos até interpretar de forma mais rigorosa, mas, pergunto, para que divulgar o orçamento logo após o recurso e antes da análise da documentação do 2º colocado? Existe algum efeito nefasto provocado pela divulgação após a adjudicação? Não vislumbro nenhum.

Cabe ressaltar, entretanto, que a doutrina pátria, nos poucos escritos encontrados, defende a ilegalidade do Decreto quando estabelece a divulgação após a adjudicação. Márcio Cammarosano escreve que, “exaurida a fase recursal, impõe-se à administração que promove a licitação tornar público, imediatamente, o orçamento previamente estimado, sendo ilegal que só venha a fazê-lo após a adjudicação, que pode até não vir a ocorrer nas hipóteses de anulação ou revogação do certame que não sejam revertidas, nos termos da lei, em sede administrativa ou judicial.” (CAMMAROSANO, Márcio. POZZO, Augusto Neves Dal. VALIM, Rafael, Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei nº 12.462/2011; Decreto nº 7.581/2011) Aspectos Fundamentais. 2 ed., Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 41.)  Com o devido respeito, em relação à anulação e à revogação da licitação, se isso ocorrer, a divulgação do orçamento perderá seu propósito, o que torna frágil, a meu ver,o argumento de que não se deve vincular a divulgação à adjudicação porque ela pode nem vir a acontecer.

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