sábado, 25 de junho de 2011

A desconsideração da personalidade jurídica nos editais de licitações

A desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento que vem crescendo em importância quando falamos em aplicação de sanções a contratados da Administração Pública. A relevância decorre do fato de que parece ser a única forma de barrar, efetivamente, a participação em novos certames de empresas já penalizadas com sanções que implicam na retirada temporária do direito de participar de licitações e contratar diretamente com órgãos e entidades públicas. Isso porque, notoriamente, sócios de empresas penalizadas recorrem a expedientes fraudulentos para evadir-se dos efeitos nefastos das sanções, criando uma nova empresa ou mesmo mantendo, concomitante, mais de uma empresa, utilizando-se da pessoa jurídica como ferramenta para a ilicitude.

Em 2003, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que "A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular". Ainda: "A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações - Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída." (ROMS 15166 - BA)

Assim, segundo a referida Corte, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa requer a configuração de algumas condições fáticas - mesmo objeto social, mesmos sócios e mesmo endereço - de condições jurídicas - fraude à lei e abuso da forma. Na fundamentação do acórdão, ficou clara, ainda, a obrigatoriedade de instaurar processo administrativo no qual reste observada a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa.

Em alguns editais, especialmente de integrantes da Administração Pública federal, não é raro encontrar cláusula vedando de plano a participação de empresas cujos sócios integrem o quadro societário de empresa anteriormente penalizada, provocando mandados de segurança e representações perante o TCU.

No acórdão 2218/2011 (o mesmo que entendeu que a suspensão do direito de licitar e contratar se estende a toda a Administração Pública e não apenas à Administração que a aplicou), a 1ª Câmara do TCU manteve seu posicionamento exarado no acórdão 1.166/2010, afirmando que "o fato de um sócio ou um diretor de uma sociedade empresária fazer parte do ato constitutivo de outra declarada inidônea ou suspensa não significa, necessariamente, que foi constituída com o fim de fraudar. Para que seja possível presumir a intenção ilícita, é preciso que possua objeto social similar e, em acréscimo, sócios-controladores e/ou o sócios-gerentes em comum com a entidade apenada." Ainda de acordo como o voto do revisor, Min. Walton Alencar Rodrigues, "se cabe à Administração impedir a participação de empresa que se apresenta ao certame no intuito de esquivar a sanção anteriormente aplicada pela Administração, não vejo óbice à explicitação dessa circunstância no instrumento convocatório. (...) A inserção da referida cláusula em edital não representa desrespeito ao contraditório e à ampla defesa", pois "a desconsideração da personalidade jurídica tal qual defendida nesse voto não traduz aplicação de nova penalidade, mas tão somente concessão de efetividade à sanção aplicada anteriormente, ocasião em que foram necessariamente assegurados à sociedade faltosa o contraditório e a ampla defesa, sob pena de nulidade." Contudo, a redação genérica de "cláusula que veda a participação de sociedade cujos diretores, sócios e dirigentes façam parte do ato constitutivo de empresas suspensas ou declaradas inidôneas para contratar com a Administração não se mostra a mais adequada, por permitir injustiças".

Que cláusula dessa natureza contraria a ordem jurídica vigente, não há qualquer dúvida. Mesmo a Lei de Licitações bahiana, citada no acórdão, traz claramente um elemento fundamental, que é a criação da empresa em momento posterior à aplicação da sanção (art. 200), indicativo do abuso de forma e da fraude à lei. Não há, portanto, espaço para presunções genéricas e vedações irrestritas.

A questão que ficou em aberto é sobre como o edital deve disciplinar a matéria e, antes ainda, se cabe fazê-lo.

Mesmo que não haja previsão editalícia, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser utilizada para o fim de excluir licitantes do certame, após concluído o devido processo legal. Pretendendo externar aos interessados essa possibilidade, a Administração poderá incluir no edital cláusula cujo conteúdo afirme seu poder de estender aos sócios os efeitos de sanção anteriormente aplicada a pessoa jurídica, bem como aponte os casos e condições em que isso ocorrerá, em conformidade com as orientações do Superior Tribunal de Justiça no julgado citado. Jamais poderá, todavia, estabelecer cláusula contendo vedação genérica à participação escorada apenas no fato de os sócios da empresa licitante integrarem os quadros de empresa penalizada. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário