sábado, 25 de junho de 2011

TCU - Abrangência da penalidade de suspensão do direito de licitar e impedimento de contratar

Em decisão que modifica entendimento até então adotado, a 1ª Câmara do Tribunal de Contas da União, por meio do acórdão nº 2218/2011, acolheu representação interposta pela Infraero contra decisão anterior que reputava ilícita cláusula do edital impedindo a participação na licitação de empresas que tivessem sido suspensas de licitar e contratar por qualquer integrante da Administração Pública.

A questão é das mais controversas e traz gravíssimas implicações na relação entre contratante público e privado. Não é de hoje a divergência sobre a abrangência da sanção referida. A experiência tem demonstrado que, isoladamente, as batalhas são vencidas por aqueles que possuem melhor poder de argumentação e articulação. Rigorosamente, tal situação é inadmissível. O tema da aplicação de sanções pelo Poder Público a seus contratados exige unidade de entendimento. E mais, qualquer interpretação a ser dada aos dispositivos legais deve seguir as diretrizes gerais do Direito Penal, como proclamam os especialistas.

A falta de entendimento unificado acarreta um assombroso grau de insegurança jurídica às relações. Não é exagero dizer que o contratante privado está correndo à própria sorte, sem saber exatamente quais são os contornos de uma eventual suspensão do seu direito de licitar e contratar. O argumento de que não se deve emprestar aos dispositivos interpretações que privilegiem aqueles que atuaram indevidamente fere o Estado Democrático de Direito e o devido processo legal que lhe dá sustentáculo. É pressuposto de legalidade e legitimidade que as sanções e todos os seus consectários estejam previstos de forma clara e objetiva na lei, de modo que a escolha pelo cometimento ou não da infração possa ser conscientemente realizada e o contraditório e a ampla defesa possa ser plenamente exercido.

A diferença entre as expressões Administração e Administração Pública, constantes do art. 6º da Lei e repudiada pelo Superior Tribunal de Justiça e, agora, pela 1ª Câmara do TCU, não pode ser ignorada. É de clareza solar que o objetivo da Lei foi estabelecer a distinção e determinar que, para os fins de aplicação de seus dispositivos, essa distinção deve ser considerada. O emprego diferenciado das expressões nos incisos III e IV do art. 87 não é despropositado. Pode ser questionado, eventualmente, sob o aspecto de ser ou não a melhor opção, mas não apresenta traços de inconstitucionalidade, razão pela qual não pode ser ignorado. Como objetivo da norma, obviamente se apresenta a intenção de criar mais um traço distintivo entre a suspensão e a declaração de inidoneidade, aquela, uma sanção a ser aplicada para infrações graves, assim consideradas com vistas ao prejuízo gerado ao interesse público, e essa, uma sanção destinada a infrações gravíssimas, que possam configurar condutas inidôneas, ou melhor, condutas que afrontem o ordenamento jurídico vigente. 

O argumento no sentido de que "adminitir que empresa reconhecidamente desidiosa no cumprimento de suas obrigações continue participando de licitações, desde que em esfera diferente da que aplicou a sanção, vai contra a moralidade pública e conflita com a essência da legislação pertinente ao tema, que busca penalizar quem não atendeu satisfatoriamente ao que foi avençado com a Administração" não prospera. A sanção de suspensão está, segundo o que se extrai da Lei, diretamente relacionada ao descumprimento do contrato e não a uma conduta geral e desabonadora - leia-se: inidônea. Esta última é uma característica da declaração de inidoneidade, cujos efeitos danosos se pretendem máximos - tanto é que, segundo a Lei, perdurarão enquanto perdurarem os motivos que ensejaram a sanção ou até eventual reabilitação, após dois anos da aplicação, mediante ressarcimento integral dos prejuízos. Essa diferença é, portanto, fundamental para o equilíbrio do sistema. 

É nobre a intenção de maximizar a abrangência da suspensão e de proteger o interesse público como um todo, mas os limites legais à interpretação me parecem absurdamente claros e de acordo com a Constituição Federal. Se há inconformismo com esse sistema, que seja modificado aproveitando o ensejo do PLC 32 (PL 7.709) em trâmite no Congresso. É uma lástima que um órgão de tamanha relevância como o TCU e com autoridade para fazer frente a tantos despautérios ditos em matéria de licitações e contratos - o que faz, é bom fazer justiça, na grande maioria de suas decisões, com invejável maestria - tenha alterado seu posicionamento, contrariando as orientações da unidade técnica e do Ministério Público e contribuindo para, data venia, o verdadeiro retrocesso jurídico contido nos citados julgados do STJ.

Um comentário:

  1. Concordo com a colega literalmente. Não rara vezes vemos Cortes Estaduais de Contas fecundar em seu âmbito interno interpretações a dispositivos de lei que são taxativos. Não posso ver com "bons olhos" este tipo de "hermenêutica às avessas", pois se dá alcance diferente a norma muito bem delineada. Vale dizer, em arremate, que a gradação de penalidades tombada no Diploma Licitatório encontra albergue nos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, sem descuidar que o Art. 2º, VI da Lei 9.874/99 é claro ao colocar, além destes paradigmas constitucionais, o interesse público, resultando em uma equação muito precisa no que tange a imposição de sanções na seara contratual pública.

    Parabéns pelo blog. Serei um visitante assíduo.

    Marcelo

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