segunda-feira, 29 de abril de 2013

O novo SRP federal (Decreto 7.892) - Parte IV: as novas regras para adesão/"carona"

3 As novas regras para a adesão ou “carona”
A grande mudança se operou no âmbito das regras para adesão ou “carona” de órgãos e entidades que não participaram do SRP. A expectativa de modificações na sistemática anterior existia concretamente diante das manifestações reiteradas do Tribunal de Contas da União acerca da ilegalidade da prática que vinha sendo adotada. O Acórdão nº 1.233/2012 do TCU determinou que, “em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital". O Acórdão nº 2.962/2012, prolatado na sequência, complementou no sentido de “recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que empreenda estudos para aprimorar a sistemática do Sistema de Registro de Preços, objetivando capturar ganhos de escala nas quantidades adicionais decorrentes de adesões previamente planejadas e registradas de outros órgãos e entidades que possam participar do certame, cujos limites de quantitativos deverão estar em conformidade com o entendimento firmado pelo Acórdão 1.233/2012 – Plenário”.
Segundo as disposições do novo Decreto nos arts. 22 e seguintes, a adesão da ata por órgãos não participantes ocorrerá nos seguintes termos:
- Mediante previsão em edital, decorrente de critérios de conveniência e oportunidade, inclusive indicando-se a estimativa de quantidades a serem adquiridas pelos órgãos não participantes (inc. III do art. 9º), além das quantidades estimadas para os órgãos gerenciador e participantes;
- Mediante justificativa da vantagem econômica, o que deverá ocorrer nos autos do processo que tramita no órgão não participante, não cabendo, absolutamente, ao órgão gerenciador proceder qualquer avaliação nesse sentido;
- Mediante consulta prévia ao órgão gerenciador, que se manifestará sobre a possibilidade de adesão. A análise realizada pelo órgão gerenciador diante do pedido do órgão não participante deverá levar em conta unicamente as condições de uso do SRP pelos órgãos participantes e o eventual prejuízo que a adesão poderia causar a estes;
- Restringir-se, por órgão ou entidade “carona”, a cem por cento dos quantitativos dos itens do edital, registrados na ata;
- Restringir-se, na totalidade, ao quíntuplo (ou seja, o produto do número multiplicado por 5) do quantitativo de cada item registrado;
- Ocorrer após a primeira aquisição por um órgão participante, salvo quando não houver previsão para tanto no edital;
- Ocorrer dentro de noventa dias e dentro do prazo de vigência da ata;
- Para os órgãos federais não participantes, restringir-se às atas federais.
Uma questão preliminar merece atenção, antes de adentrarmos na discussão sobre limites quantitativos para a adesão. Para os fins da licitação e do edital, itens são componentes de um lote ou, não havendo lote, cada qual um objeto íntegro, com disputa individualizada. Itens registrados na ata são os objetos cujos preços tenham sido registrados. Podem ter sido licitados por itens ou lotes. Seriam, para os fins da adesão, “itens do edital” e “itens registrados na ata” expressões sinônimas? Essa definição é primordial para começar a compreender os comandos dos §§ 3º e 4º do art. 22, indicados acima no segundo e no terceiro tópico.
Quando se realiza uma licitação por lotes, os itens correspondentes a cada lote devem ser cotados conjuntamente. A rigor, o que contará para o julgamento das propostas será o valor global do lote. O decreto anterior previa e o novo continua prevendo expressamente essa possibilidade para a licitação de SRP. Na ata, os itens componentes do lote são registrados com os respectivos valores unitário e global. Diferentemente da licitação normal, em que o lote será adquirido de uma vez, os itens registrados, que compuseram o lote na licitação, poderão ser adquiridos isoladamente, conforme a necessidade da Administração. Desse modo, a resposta para a indagação acima é positiva, independentemente de a licitação ter sido realizada por lotes ou itens. Itens registrados na ata são os itens do edital, quer tenham ou não sido agrupados em lotes para os fins da licitação. Em suma: a ata não comporta o registro do valor global do lote, mas apenas dos itens que correspondem aos objetos licitados, por isso o limite para as adesões – 100% ou o quíntuplo – será em razão dos quantitativos dos itens registrados.
Isto posto, passemos às duas regras fixadas pelos §§3º e 4º do Decreto nº 7.892/2012, referentes aos limites à adesão por órgãos não participantes:
a) não exceder, por órgão ou entidade “carona”, a cem por cento dos quantitativos dos itens do edital, registrados na ata para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes. Um mesmo “carona” não poderá adquirir mais do que o próprio órgão gerenciador e os órgãos participantes, por item. A regra é praticamente igual à do decreto anterior: “as aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços”. Agora, ao invés de 100% dos quantitativos totais, serão 100% dos quantitativos de cada item registrado. O limite, então, é por item. Mas, se um órgão aderir em 100% todos os itens registrados, o efeito será o mesmo;
b) não exceder, na totalidade, ao quíntuplo (ou seja, o produto do número multiplicado por 5) do quantitativo de cada item registrado para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes. A soma de todas as adesões não poderá ser superior a cinco vezes o quantitativo de cada item. Essa regra evita que seja realizado um número ilimitado de contratações com um mesmo particular, decorrente de uma única licitação para SRP e em montantes que exorbitam absurdamente as previsões do edital.
Imaginemos, então, uma ata de registro de preços contendo 2 itens:
 
 
Total (unidades)
Órgão gerenciador
Órgãos participantes
Item 1
500
100
400
Item 2
1.200
350
850
Carona 1
100% item 1
500 unidades
Carona 2
100% item 1
100% item 2
500 unidades
1.200 unidades
Carona 3
100% item 2
1.200 unidades
Primeira regra: não exceder, por órgão ou entidade “carona”, o total individual dos itens registrados para o órgão gerenciador e os órgãos participantes – ATENDIDA.
Segunda regra: não exceder, no somatório de todas as “caronas”, o quíntuplo do quantitativo individual dos itens registrados para o órgão gerenciador e os órgãos participantes – ATENDIDA (500 X 5 = 2.500; 1.200 X 5 = 6.000)
Carona 4
100% item 1
100% item 2
500 unidades
1.200 unidades
Carona 5
100% item 2
1.200 unidades
Carona 6
100% item 2
1.200 unidades
Carona 7
100% item 1
100% item 2
500 unidades
1.200 unidades
Primeira regra: não exceder, por órgão ou entidade “carona”, o total individual dos itens registrados para o órgão gerenciador e os órgãos participantes – ATENDIDA.
Segunda regra: não exceder, no somatório de todas as “caronas”, o quíntuplo do quantitativo individual dos itens registrados para o órgão gerenciador e os órgãos participantes – ATENDIDA EM RELAÇÃO AO ITEM 1 (500 x 4 = 2.000); NÃO ATENDIDA EM RELAÇÃO AO ITEM 2 (1.200 X 6 = 7.200).
Nessa hipótese, seria possível mais uma adesão ao item 1, mas a sétima adesão ao item 2 não poderia ter sido realizada.
Em linhas gerais, o que se conclui:
a)      Ainda é possível que os órgãos não participantes contratem 100% dos quantitativos totais registrados em ata;
b)      Essa possibilidade deixará de existir com o alcance do limite estabelecido pelo §4º, ou seja, quando o somatório de todas as adesões realizadas até um determinado momento atingirem o quíntuplo do quantitativo do item correspondente;
c)       Serão beneficiados os primeiros órgãos não participantes que solicitarem a adesão, já que o limite do quíntuplo é reduzido na medida em que aumentam as contratações adicionais;
d)      Não há limite estabelecido em razão dos quantitativos totais registrados em ata, mas apenas em razão de cada item registrado.
Não havendo limite estabelecido em razão dos quantitativos totais, não caberá falar em “sobra” ou “compensação” de quantitativos. Assim:
Supondo:
Carona 1
80% item 1
400 unidades
Carona 2
100% item 1
100% item 2
500 unidades
1200 unidades
Carona 3
50% item 2
600 unidades
Não seria possível:
Carona 1
80% item 1
400 unidades
Carona 2
120% item 1
150% item 2
900 unidades
1.800 unidades
Carona 3
50% item 2
600 unidades
Por fim, cabe apontar que o limite individual é por órgão ou entidade não participante e não para cada adesão por ele realizada. Assim, tomando-se novamente a hipótese acima, se o Carona 3 aderiu primeiramente a 50% do item 2 e, posteriormente, pretenda nova adesão ao mesmo item, somente lhe restarão os outros 50%.
3.1 Novas regras X determinações do TCU
Isto posto, é possível avaliar se as novas regras atendem às determinações do TCU realizadas nos Acórdãos nº 1.233/2013 e nº 2.962/2013, para que:
a)      A ata fosse gerenciada de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados não superasse o quantitativo máximo previsto no edital para aquisição pelo SRP;
b)      Fosse aprimorada a sistemática do SRP, para possibilitar ganhos de escala nas quantidades adicionais decorrentes de adesões previamente planejadas e registradas de outros órgãos e entidades que possam participar do certame, sem superar o quantitativo máximo para aquisição peço SRP, previsto no edital.
Em relação à primeira determinação, a compreensão é a de que apenas houvesse a adesão na hipótese de não utilização, pelos órgãos ou entidades participantes, da totalidade do quantitativo inicialmente previsto. Não é o que acontecerá doravante, com a nova sistemática acima descrita, pois, conforme já demonstrado, permanece a possibilidade de que um único órgão – salvo restrição expressa no edital – possa aderir em 100% um único item. Contudo, resolve a preocupação externada no Acórdão 1.487/2007-TCU Plenário, fundada na violação de princípios constitucionais e legais mediante a utilização ilimitada da ata.
Em relação à segunda determinação, não é possível detectar no novo texto regra que a atenda. Ao que nos parece, a economia de escala obtida por meio de adesões seria possível se:
a) fosse possível identificar o quantitativo de adesões futuras, de modo que os licitantes pudessem considera-las em sua proposta;
b) a aquisição de quantitativos por meio de adesões implicasse em redução do valor do quantitativo remanescente.
Contudo, não há lógica na hipótese suscitada na letra “a”. Se houver a possibilidade de identificar previamente a adesão, não haverá razão para que ela aconteça, mas, sim, para que ela seja substituída pela participação no SRP. De outro lado, impor ao detentor do preço registrado a redução gradativa do valor do quantitativo remanescente, nos termos da letra “b”, traria para a os órgãos e entidades participantes, pena de quebra da boa fé, o compromisso de aquisição futura, a qual, conforme orientação majoritária da doutrina e jurisprudência, não existe. Logo, salvo melhor avaliação, não é, a rigor, viável o atendimento da determinação contida no Acórdão nº 2.962/2012 do TCU.
3.2 Uma crítica às novas regras de adesão
Ainda teremos a oportunidade de verificar, na prática, se a solução adotada pelo novo Decreto foi apropriada. Outra poderia ser vislumbrada, a exemplo da utilização, por analogia, do percentual de 25% previstos pela Lei nº 8.666/93 para as alterações dos contratos administrativos. Estabelecê-lo como limite sobre o montante registrado ou sobre o total dos itens seria menos complexo e mais consentâneo com as normas que regem as contratações públicas. Não há dúvida de que essa solução foi cogitada, tendo sido descartada por ser mais restritiva.
De qualquer forma, para aqueles que defendem a adesão ou “carona”, título que acabou recebendo uma conotação pejorativa diante dos efeitos nefastos causados pelas próprias regras que a instituíram, e para aqueles que a utilizam de forma lícita, não abusiva, a solução é válida e possui méritos especiais por proporcionar um resgate da legalidade e da moralidade.
 

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