terça-feira, 12 de abril de 2011

Prorrogação de contratos de gerenciamento de abastecimento de veículos

Contratar o gerenciamento do abastecimento de veículos com uso de cartão magnético tem sido comum na Administração Pública. A dúvida que se põe quando tais contratos estão por findar é quanto à possibilidade de sua prorrogação nos termos do art. 57, inc. II da Lei 8.666, ou seja, como contratos de prestação de serviços de natureza continuada.Toda vez que buscamos aplicar o referido dispositivo, nos deparamos com a dificuldade de precisar se o serviço é contínuo ou não. E isso não decorre, propriamente, da ausência de um conceito legal do que sejam tais serviços, pois as normas inferiores e a doutrina já se encarregaram de defini-los suficientemente. O problema reside, a meu ver, em dois pontos:

a)   O que é essencial (para o desempenho da atividade fim) para alguns não é para outros, gerando dúvida e insegurança;

b)   Muitas vezes, classifica-se como prestação de serviços um mero fornecimento de bens, distorcendo-se a aplicação da regra legal.A hipótese em análise é um exemplo típico.

O contrato de prestação de serviços de gerenciamento de abastecimento de veículos com uso de cartão magnético envolve prestação de serviços e utilização de tecnologia, mas essencialmente objetiva o produto, que é o combustível. Então, congrega obrigação de dar (fornecer o produto) e fazer (prestar serviços).

A 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União, em processo relatado pelo Min. Benjamin Zymler, seguiu nessa linha, entendendo que somente devem ser considerados serviços contínuos as “obrigações de fazer de caráter permanente.”[1] Marçal Justen Filho aborda o tema enfatizando a necessidade de apurar “o fim visado pelas partes” com a celebração do contrato, o qual definirá a  natureza do ajuste. Se “o fim que motivou a contratação foi a aquisição do domínio sobre o produto”, será contrato de fornecimento. Ainda, “se o núcleo do contrato é uma prestação de dar, não se aplicará o regime do dispositivo ora comentado.”[2]  Especificamente quanto a contratos de fornecimento de combustível, a Corte Federal é categórica ao classificar como material de consumo e obstar sua prorrogação.[3]

O contrato de “prestação de serviços de gerenciamento de abastecimento”, ao que parece, tem como objetivo principal a obtenção do combustível (obrigação de dar), ainda que agregado a uma forma especial de execução (obrigação de fazer), a qual envolve o gerenciamento de cartões magnéticos. A empresa contratada não possui como objeto social o fornecimento de combustível, mas a prestação de serviços destinados a possibilitar o abastecimento dos veículos em uma rede de postos credenciados, a preços de mercado, mediante utilização de cartões magnéticos. Contudo, o objetivo da Administração continua sendo o fornecimento e o custo do contrato será, majoritariamente, representado pelos valores despendidos com o abastecimento.

Tais circunstâncias são suficientes para suscitar sérias dúvidas quanto à prorrogabilidade desse contrato, não sob o enfoque da natureza permanente da necessidade do abastecimento de veículos, mas, antes, da natureza da prestação envolvida, se de dar ou de fazer.


[1] Decisão 2/2002 – 2ª Câmara, Rel. Min. Benjamin Zymler, DOU 04.2.2002.
[2]JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª Ed., Malheiros, 2010, p. 726.
[3] Acórdão 1.544/2004 - 2ª Câmara. Relator: Ministro Lincoln Magalhães da Rocha. DOU 06/09/2004.

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