sábado, 2 de abril de 2011

Algumas palavras sobre fiscalização de contratos...

Há motivos para comemorar. Aqueles que atuam junto à Administração Pública podem, com satisfação, observar uma mudança de postura em relação ao acompanhamento e fiscalização dos contratos administrativos. Nos últimos cinco anos, não mais do que isso, em decorrência da rigorosa atuação dos órgãos de controle e da decisiva participação da mídia nacional, que denunciou ao Brasil o que ocorre nos bastidores das licitações e contratos, verificou-se um lento despertar para a necessidade de dispensar maior atenção à execução dos ajustes celebrados. Até então, cultivava-se o pensamento de que o processo licitatório exigia a estrita observância da legalidade; uma vez findo, descortinava-se um mar de incertezas, fortalecidas pelas indefinições que permeiam as atribuições relacionadas ao acompanhamento e à fiscalização do contrato.

A Lei 8.666 apenas impõe à Administração o dever de acompanhar e fiscalizar seus contratos, mediante a designação de um servidor. Trata-se de um dever intransferível, o que nos permite afirmar, com toda a necessária certeza, a ilegalidade da situação de órgãos ou entidades administrativas que não possuem fiscais de contratos devidamente designados. Também não se admite a terceirização dessa função, embora a Lei admita o auxílio do fiscal por profissionais com conhecimento técnicos, quando o objeto assim exigir. A regra é compreensível, diante da irrazoabilidade de impor-se a obrigatória compatibilidade entre a formação intelectual do fiscal e o objeto do contrato em que irá atuar. Assim, nos aspectos técnicos, o fiscal poderá ser subsidiado das informações necessárias por terceiro devidamente capacitado. Mas, os aspectos relacionados ao fiel cumprimento das obrigações expressas no contrato não poderão ser trespassados.

Assim, é fato que servidores públicos devem ser designados fiscais de contratos, para os fins legais, cabendo-lhes executar as atribuições correspondentes. Mas, quais seriam elas? De acordo com a Lei, o fiscal deverá anotar em registro próprio as ocorrências, determinar o que for necessário para a solução de problemas e reportar-se à autoridade hierarquicamente superior quando as providências fugirem à sua competência. A Lei também aponta como atribuição do fiscal receber o objeto, em algumas situações. Ao demais, o paradoxo de um silêncio repleto de exigências.

A Instrução Normativa nº 02/08 com alterações posteriores, e a Instrução Normativa nº 04/08, ambas da Secretaria de Logística, Tecnologia e Informação, aplicáveis no âmbito da Administração Pública Federal – Órgãos integrantes do SISG, trouxeram relevantes inovações no que tange ao regramento da fiscalização dos contratos de serviços em geral e serviços de tecnologia da informação, respectivamente. Inovações, se o critério para tal classificação for o da norma expressa e explícita. Em termos de conteúdo, entretanto, não há novidade. Mas, há motivos para comemorar. Juntamente com o grito a todos os que não ouviam ou não queriam ouvir veio, a mudança de postura e de paradigmas que merece ser festejada: “a fiscalização eficiente dos contratos administrativos possibilita o alcance de resultados, a correta aplicação dos recursos públicos e afasta responsabilizações junto aos órgãos de controle. Então, mãos à obra.”

É nesse momento que um vácuo surge diante do fiscal que, na grande maioria das vezes, não teve escolha entre aceitar ou não a função que lhe cai aos braços. Talvez um buraco negro para onde vão todas as suas indagações, que continuam ecoando sem resposta em sua consciência. “E agora? O que devo fazer? Sou responsável por tudo o que acontecer daqui por diante? Quem poderá ajudar? Como devo proceder na minha atividade de fiscalização? Alguém pode me dizer se isto é certo ou errado? Que negócio é esse de responsabilidade subsidiária pelo pagamento de salários? Enunciado 331 do TST? Que diabos é um ‘enunciado’?” Então, alguém se habilita?

É de clareza solar e, por isso, absolutamente incontestável o dever da Administração de proporcionar aos seus servidores a necessária capacitação para o exercício de suas funções. Toda a normatização legal para contratos administrativos encontra-se resumida em trinta e quatro artigos, que muitas vezes comportam mais de uma interpretação, atividade essa reservada aos profissionais do Direito e que não pode ser exigida dos demais. Subliminarmente à letra expressa dos dispositivos, encontram-se teorias, teses, reflexões, entendimentos anteriores superados por entendimentos atuais e determinações de órgãos de controle que não refletem a leitura passível de ser realizada por um leigo. Além das normas postas, há um sistema de rotinas e procedimentos que necessita ser criado de forma sistematizada, para possibilitar e, porque não, garantir o atendimento do princípio constitucional da Eficiência e o alcance da eficácia do contrato. Como exigir eficiência daquele que sabidamente não detem as informações necessárias à atuação sob tal diretriz? A fiscalização de contratos tem natureza multidisciplinar, envolvendo conhecimentos em áreas diversas, em maior ou menor grau. Se não é possível um amplo e profundo entendimento nas áreas afetas, há meios para compreender a dinâmica da fiscalização e impulsionar o contrato na direção de sua ótima conclusão.

O Decreto federal 3.555/02, que regulamenta o pregão na forma presencial, impõe a capacitação do servidor como requisito à designação para o exercício da função de pregoeiro. A medida, que ao tempo da edição do Decreto era necessária em decorrência das características distintas do procedimento, tomou corpo e passou a integrar as normas estaduais e municipais e a ser aplicada independentemente de tratar-se da forma presencial ou eletrônica. O alcance dessa regra ultrapassou o horizonte, diante das benesses trazidas. Pregoeiros experts, cada vez mais habilitados a desempenhar seu papel, podem ser encontrados em órgãos e entidades federais, estaduais, municipais e distritais, dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, muitas vezes atuando na capacitação de colegas que os sucederão ou atuarão em conjunto.

Pergunto: e quanto ao fiscal do contrato, que será aquele que dará efetividade ao pregão – ou a outra modalidade licitatória – atuando em busca dos resultados buscados? Há alguma razão para pensar diferente? A resposta é uma só: NÃO. Consequentemente, a conclusão é de que a capacitação para a função de fiscal de contrato é igualmente um dever da Administração, ainda que não expresso em lei ou regulamento, condicionando a designação ou o exercício desta função. O descumprimento desse dever enseja a tomada de providências disciplinares daqueles que se omitiram e torna questionável, em muitos casos, eventual responsabilização do servidor designado.

4 comentários:

  1. Esse assunto, Gabriela, um tanto quanto polêmico entre os servidores em razão da designação para fiscalizar um contrato – diga-se de passagem, sem ocorrer, necessariamente, um “acréscimo” em seus vencimentos -, constantemente é tema de reuniões, discussões, questionamentos muitas vezes sem respostas e por aí vai.
    Embora esteja clara na legislação de Licitação Pátria a prerrogativa da Administração em designar um servidor para fiscalizar um contrato, não se pode olvidar que tal designação traz consigo conseqüências de efeitos incalculáveis para este humilde servidor...
    É fato que cursos de capacitação são oferecidos, mas é fato que o servidor pode vir a se perder diante das nuances de um contrato, ainda que devidamente subsidiado, pois a última palavra será sempre a dele e não a da equipe de suporte.
    Pois bem, e quanto ao gestor? Como ficaria? Considerando-se que suas atribuições restringem-se a uma fiscalização administrativa do contrato, portanto, mais teórica?
    Assim como o fiscal, o gestor quando designado pela Administração, também ficará, digamos, um tanto quanto desesperado, pois nem sempre terá uma formação específica para exercer as suas atividades...
    Ao fim e ao cabo, ao que me parece, salvo melhor entendimento, estamos diante de um paradoxo: por um lado, uma efetiva mudança de postura para melhor em relação ao acompanhamento e fiscalização dos contratos; por outro, dúvidas e sensação de insegurança por parte de servidores que repentinamente são nomeados para exercerem as atividades de fiscais e gestores.
    Enfim, penso que as duas coisas devem caminhar juntas, completando-se mutuamente, pois aí então, teremos uma fiscalização e gestão contratual eficientes.
    Att.
    Ricardo P. Silveira

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  2. Ricardo, temos trabalhado bastante para que fiscais e gestores tenham uma boa formação teórica, procurando enfatizar a forma como devem ser enfrentados os problemas na prática. No entanto, há uma infinidade de situaçoes no dia a dia desses profissionais, o que faz desse trabalho sempre um desafio. Penso que, com o tempo, o amadurecimento da visão acerca do tema e a própria experiência, agora qualificada, trarão mais segurança. Mas, considerando a complexidade dessas funções, o receio de apontamentos pelos órgãos de controle sempre haverá. A dica que procuro dar é para ter cautela, solicitar pareceres sempre que necessário e motivar adequadamente os atos.
    Abraços!

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  3. Gabriela, o grande problema que vejo, pelo menos na empresa pública na qual trabalho, não seria a falta de treinamento, mas sim o excesso de contratos que é designado para apenas um servidor, além, é claro, das funções que ele já executa no cargo efetivo. O treinamento deve ocorrer sim por parte da empresa, mas o servidor interessado em novos desafios, tem que ter a iniciativa de buscar novos conhecimentos, e hoje, só não aprende quem não quer, pois a Internet proporciona compartilhamento de aprendizado e uma variedade de cursos e informações.
    O grande "X" da questão, ao meu ver, seria, não sei se é possível e legal, a lei definir que o servidor designado como fiscal de contratos passaria somente a executar essa única função, pois além dos riscos inerentes de responsabilizações, é uma função exige muito do servidor, pois é permeada de uma série de atividades que exigem muito conhecimento, prazos para serem cumpridos, relatórios, diligências,etc., enfim, como fiscalizar bem um objeto contratado, se este servidor já é responsável por outras atividades rotineiras do seu dia-a-dia?

    Então, tem-se todo um trabalho de planejamento, um pregão bem executado, e na fase de execução do contrato, que talvez seja uma das mais importantes, a lei não ampara o fiscal para que tenha condições de realizar um bom trabalho.

    Dessa forma, entendo que fiscalizar tem que ser uma atividade dedicada garantida em lei, pois o acúmulo de funções nessa área é tanto prejudicial ao servidor, como também a administração que poderá ter prejuízos na aquisição de bens ou serviços.

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  4. Olá, Wesley! Obrigada pelos comentários!

    O excesso de contratos é um dos grandes problemas a serem resolvidos, juntamente com o acúmulo de funções. De nada adianta, por certo, o fiscal estar capacitado, se não conseguir fisicamente dar conta do recado.

    A previsão legal para que a atividade seja integralmente dedicada pode não vir a acontecer, infelizmente, pela interferência que causaria na órbita de decisões discricionárias, já que as realidades dos diversos órgãos e entidades que integram a Administração Pública são muito distintas. Contudo, mesmo na ausência dessa disciplina, não precisamos fazer grande esforço para demonstrar que o fiscal de contrato, uma figura que permaneceu obtusa por muito tempo, injustificadamente, é tão relevante quanto o pregoeiro ou os membros da comissão de licitação e que sua atuação imperfeita, independentemente do motivo, poderá comprometer vários princípios constitucionais e o próprio resultado do contrato, como você mesmo ressaltou. A conclusão lógica é no sendito de que deverá ter condições concretas de executar a função de fiscalização, sob pena de, em última análise, descumprimento do comando legal insculpido no art. 67. Em consequencia, há uma imposição implícita do ordenamento jurídico para que, se necessário, a função seja exclusiva, não cumulativa com a originária, bem como que sejam limitados os números de contratos sob sua responsabilidade.

    Desse modo, penso que a mudança de postura das autoridades superiores, que devem compreender que o dever de fiscalizar é da Administração e não do fiscal, é fundamental - e suficiente para possibilitar um grande passo rumo a melhorias nas condições atuais.

    O TCU tem sido compreensivo com os servidores designados fiscais e largados à própria sorte, recaindo a responsabilidade sobre os ordenadores de despesa. Por outro lado, também tem repreendido e multado aqueles que atuam de forma negligente e imprudente, ficando claro que alegar simplesmente o desconhecimento da matéria pode ser perigoso. Enfim, é necessária uma dupla conscientização, em meu sentir.
    E a boa notícia é que, de quando publiquei o post até hoje, já é possível sentir alguns progressos.

    Abs!

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